sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

fremosa



O nom ver-te me faz sofrer

Pois ver-te me faz sofrer...

Se eu escolhesse fazer-te cantigas

Mui fremosa, faria-te ouvir D. Dinis

"sofrendo tam esquivo

mal, ca mais mi valria de nom seer nada."

De ti cuido longe, de longe nom sei quem sofresse

Mas se soubesses, mia mui fremosa...

Ah, se tu soubesses que de todas as formas do mundo

A mais gram e bela é mia forma de amar-te.

a garota que eu amo tem longos cabelos pretos

Meu disco do Led Zeppelin tocava intensamente e repetidamente naquela noite. Incríveis anos setenta de saias rodadas e psicodélicas, calças justas de boca larga e delineador de gatinho. As mulheres eram tão belas aos meus olhos que eu andava sempre de óculos escuros na rua para que eu pudesse observá-las como se fossem quadros: arte.
Porém, existia uma em especial. A de longos cabelos negros, uma espécie de Brigitte Bardot morena de sorriso estonteante e fragrância rara. Eu era definitivamente um cara de sorte porque eu definitivamente amava aquela garota. Sempre quando eu acendia seu cigarro ela me sorria com os olhos em um olhar afetuoso. Era a única mulher que conseguia ser meiga e feroz, tímida e selvagem... Arrancava minha blusa em apenas uma puxada, soltava todos os meus botões, rasgando-a inteira, me pressionava contra a parede me dando a sensação de impotência e descontrole da situação. Eu puxava com vigor aqueles cabelos, e ela mordia meus lábios com ternura e desejo. Realmente essas eram as melhores horas do meu dia. Parecia como se ela estivesse embriagada pelo momento - embora muitas das vezes estava embriagada por whiskey -. A tristeza era inevitável quando ela ia embora, eu ficava observando o cinzeiro deixado com bitucas manchadas de batom vermelho, uma lembrança inesquecível de vinil que tocava incansavelmente, sem arranhões, me trazia paz ao momento e eu ficava sentado na cama desarrumada sentindo o perfume amadeirado dela em meus lençóis brancos com algumas manchas de suor que restou das nossas loucuras. Era engraçado porque toda vez em que ela me visitava sempre dizia:
- Você deveria abrir mais estas janelas! Olha como a luz da lua reflete bem no seu quarto.
Sim, definitivamente ela estava certa, tinha visão para essas coisas. Eu que sempre fui um ignóbil e antirromantico. Porém, esqueci que aqueles que são contra o romantismo são aqueles mais contraditórios, como uma digressão narrativa de Almeida Garrett.
A sua beleza era rara e cativante e eu apenas aceitava tudo sem argumentar, um feitiço, talvez. O poder do romantismo havia me atingido de uma forma que eu não pudesse escapar pelas beiradas, apenas aceitar com convencimento. Sou contraditório.
Fiquei anos atiçado nessa situação e o fim aconteceu quando a estrada me chamou, trocamos algumas cartas e presentes... as lembranças. Depois de algum tempo, chegou um período em que eu não obtive mais respostas e um bilhete em que guardo até hoje veio após uns meses em que dizia: "Não posso mais responder suas cartas, tenho outro alguém. Temos que dar outro rumo em nossas vidas. O sol brilhará para você, te amo e você sabe que isso é infindável.". Pronto, bastou ler este recado que eu me condenei a tristeza, eu fiz o meu próprio julgamento. Aquela garota de longos cabelos negros estava com outra pessoa e não iria receber mais meus beijos, não deitaria mais nos meus lençóis e não íamos mais desarrumá-lo com noites de prazer que até hoje suspiro de saudades.
Mas, quer saber? Dane-se. Eu a amo do mesmo jeito. Foi a única garota de longos cabelos que eu amei. Aqui confesso algo totalmente secreto e, menina, se você puder ler isto em algum dia ou em algum momento de sua vida, onde queira estar, apenas saiba que sim, eu passei a abrir minhas janelas para que a luz da lua reflita em meu quarto e... quanto ao bilhete, sim, o sol brilhou para mim. Brilhou no dia em que te conheci.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

vagas memórias vagas

Ah, as memórias. Cheguei no fulcro, o qual eu queria pautar. Elas se tornam tão vagas com o tempo... Eu me resto deitado em uma poltrona durante a manhã inteira observando a janela e o frescor que a luz do dia me traz, é como se eu estivesse relembrando de todas as manhãs loucas, corridas, prazeirosas que tive em minha vida. A vida passa tão depressa que as vezes nem tenho um tempo sequer para ficar observando essa beleza que é a natureza. A arte fala por si só e a natureza não fica atrás. É tão engraçado, estava no banheiro esses dias me olhando no espelho e me ocorreu o seguinte pensamento: nós temos as memórias guardadas com a gente, mas elas se tornam tão distante de nós a cada ano que vivemos... Lembro-me de minha adolescência que eu vivia tudo a cada mísero segundo e eu lembrava de tudo de uma forma tão clara e concreta, era algo do tipo: se eu quisesse retomar àquilo era simplesmente voltar atrás e pegar de volta que tudo vinha à tona e se materializava, tão fácil. Agora cá estou eu sentado nesta minha velha poltrona barulhenta cheirando a xixi de gato (esse preguiçoso não me escapa da próxima!) relembrando de tudo o que aconteceu naquela época de uma forma tão distante, não é mais daquela maneira coesa, hoje é abstrato. Não lembro de detalhes e nem de fatos que talvez, em dado momento da época, foram importantes para mim. Isso tudo é tão vago, eu gostaria de ser menos vago. Eu poderia ser preenchido por alguma coisa que eu não sei. As vezes sinto que não aproveitei minha vida como eu deveria. Pausa. Vou acender meu cigarro.


*


Beleza, voltemos, desculpe-me leitor, eu tenho meus vícios. Olha, talvez eu nem me lembre de quantos maços eu fumei agora no futuro. Pode ser fútil e supérfluo, porém é insinuante e excitante poder lembrar de algo que te dá prazer. É estranho, eu só queria poder lembrar de tudo com a mesma essência de antes. Hoje em dia eu só lembro do que eu vivo, o que eu ja vivi se foi com o vento, com o tempo... Eu queria reconstruí-los, mas o trabalho é minucioso. Sim, eu me recordo das vezes que sentei em frente desta janela, mas não lembro dos detalhes. Não lembro se estava frio ou calor, se eu estava triste ou feliz, se eu esperava por alguém ou por um telefonema, se eu estava olhando a vizinha do 43 passar (ela era bem gostosa, eu me lembro muito bem). Estranho. Essas recordações podem ser ambíguas e irreais também, uma vez que eu posso criar um destino para elas, como se fosse um conto de ficção, posso não lembrar do final, entretanto, posso vivenciar uma ideia, uma ilusão. Algumas coisas se tornam vagas e abstratas, será que eu por si só sou um ser abstrato? É de se pensar. Talvez eu nem vou lembrar disso amanhã ou depois, pareço só viver o momento... e o antes, ah, ele se torna tão distante... Um pássaro que voa cada vez mais longe de seu ninho, como eu queria capturá-lo e guardá-lo em um viveiro. Ah, como eu queria. Eis que é possível? Peço licença leitor, de repente nem me lembrarei de seu nome. Já antecipo as minhas sinceras desculpas, mas, o real motivo é que a vida corre e com ela anda-se de mãos dadas as memórias que de vagas se tornam tão inconstantes...

terça-feira, 21 de outubro de 2014

desabafo

Há muito tempo atrás eu conheci outro lado da minha vida. Um lado mais colorido, florido, encantador... Era uma fase em que eu não queria sair nunca mais, foi o capítulo da minha vida em que eu conheci tantas coisas boas que muitas das vezes nem sabia que ia sequer conhecer um dia.
Caro leitor, aqui começa um desabafo intenso e acumulado, o que eu vou dizer agora vem de um viés caloroso e ao mesmo tempo tempestuoso. Cansativo, porém sente-se, não quero que mais alguém canse de mim nesta vida.
A vida não é sempre o que queremos e isso tem um lado bom, ela não te ensina a ser mimado, ela te coloca em seu devido lugar querendo dizer: "espera aí, mocinha, as coisas não são bem assim!" Realmente, eu provei disso da pior maneira possível e óbvio que continuo provando do ardor seco e frio que me contém e me consome.
Um pouco da minha vida talvez faça você, leitor, conhecer um pouco mais de mim. Meu nome é Sophia, nasci nos anos noventa, mais precisamente em 1993, naquela época em que tudo era novo, muita coisa acontecendo, tudo era colorido e ultra pop. Pois então, nasci. A partir daí creio que cheguei no mundo por algum motivo, não descobri ainda, porém acredito. Foram exatamente às 15h10min de um domingo, ou seja, pode ser que o tédio seja o meu segundo sobrenome, o que a época dava de interessante, o "boom" extraordinário do momento talvez não tenha servido de nada para mim.
Voltemos à atualidade. Hoje tenho 21 anos e ainda não me graduei, até o meu curso consideram como "tédio". Concordo em partes. Mas o que eu quero dizer com isso tudo? Quero introduzir a um lance atípico que aconteceu comigo. Conheci alguém. Me rendi e me entreguei. Foi assim, interessante, intenso (tudo com -in), químico, físico, matemático, artístico, filosófico, enfim. Foi de corpo e alma. As coisas acontecem quando você não tem nenhum por que de explicá-las... É esquisito. Parece-me que um dia tudo foi premeditado por alguém e você apenas seguiu o inexplicável. É algo de outro mundo, outra dimensão, outras vidas... Desde a barriga de sua mãe você não sabia que ia encontrar "x" ou "y" pessoa, mas encontraria e daria um resultado dessas incógnitas. O meu deu um resultado infortuno, incerto, incorrigível (de novo, tudo com -in). Nem os maiores gênios explicariam. Enfim, não citarei tudo detalhadamente, apenas aquilo que se começa em vida tem um fim, inclusive a própria vida. Desde então, minhas rotinas viraram um inferno, um estorvo, algo como: eu só vivo porque tenho de viver, só respiro porque meu sistema respiratório está intacto, mesmo com alguns cigarros de vez em quando. E assim eu corro todo dia, corro contra o que eu não quero ver, sentir, luto para isso. Sou uma militante eterna contra o que eu não quero. E aí, caro leitor, te coloco como sendo a pessoa mais importante da minha vida, aquela que eu mais dei de mim... Posso ter cometido erros? Mas é claro, é clichê, mas ninguém nunca e será perfeito. Te vejo com alguém além de mim, te vejo me colocando de lado mais uma vez, te vejo me ignorando como alguém que nunca conheceu. Te vejo disperso, te vejo e não te vejo, mas sinto o descaso. 
E então, eu continuo sentada na cama do meu quarto, com minhas mãos no rosto, meus pés a poucos centímetros do chão, balançando procurando a calma e as luzes apagadas, muitas das vezes chorando pelas eternas e profundas consequências de amar puramente e verdadeiramente. Mas, quem se importa? Quantas das vezes saí do banho com o rosto inchado? O meu momento era aquele e único tempo, mesmo que mínimo, para colocar para fora e fazer da água do chuveiro, lágrimas.
Te vejo fazendo as coisas com outra pessoa, te vejo apaixonado, te vejo sorrindo, te vejo se declarando. Mas não pra mim, te vejo telefonando, confidenciando coisas que só eu sabia, te vejo íntimo e mais distante de mim. A minha alma percorre becos e quartos quadrados, sempre perdida, sempre cinzenta. A vida definitivamente não passa para mim, eu realmente não sei nem mais o que desabafar. As minhas distrações são tão vazias, tão rápidas... O ponteiro do relógio não muda, só ouço o "tic tac". Enquanto isso te vejo namorando, casando, tendo filhos, fazendo sucesso como profissional, viajando, amando, se descobrindo e... me esquecendo. Espera aí, quem é essa menina mesmo? Algum dia já tivemos algo?
Leitor, o medo do esquecimento é inevitável, a vida nos torna escravo dela e do paraíso do qual eu queria voltar, só que nunca mais terei de novo. Outros jardins virão, mas nunca mais àquele jardim. Algumas coisas marcam... Marcam como uma peça de teatro inesquecível, ou como uma opera das mais belas e emocionantes. Te vejo indo embora e me dando as costas como sempre fez para mim. Quantas vezes esperei uma ligação ou uma palavra sua? Antes de partir, qual foi o meu problema? Onde foi que eu errei? Por que não fui boa o suficiente para você? Talvez a consequência do domingo venha agora, e o tédio seja um adjetivo, uma característica literalmente, nata. Pode ser que eu seja muito monótoma e desagradável para você. Infelizmente, tentei o meu melhor. Eu tentei. Talvez, nós dois demos errados porque na verdade damos muito certo.
Leitor, pego em suas mãos neste momento e sinta o meu tremor e minhas mãos frias. Meu desabafo é verdadeiro de uma história de (des)amor verdadeira. Não deve ter nada de amor nisso, pelo menos foi o que eu senti com esse triste fim. Agora você está aí, encontrou alguém que me substituísse, pelo menos não deve ter nascido em um domingo, pelo menos mais legal e interessante deve ser, pelo menos mais interessante para sua família do que eu, pelo menos mora mais perto da sua casa do que eu, pelo menos cursa o mesmo que você.
Limpo minhas lágrimas que já inundou a minha folha inteira e me viro de cara para vida. O que eu farei agora? Meu desabafo é sem fim, eu gostaria de dá-lo um desfecho, algo feliz. Quem sabe isso não tenha uma continuação.
Sinto em te dizer, meu querido leitor, mas devo me despedir. Termino esse desabafo como uma medrosa covarde com medo do futuro, me olho no espelho e imploro para não vir mais alguma onda destruidora. Talvez, leitor, você não saiba. Mas eu te amei incondicionalmente, e um desabafo qualquer não explicaria tudo isso. Já dizia Álvares de Azevedo: "foi poeta, sonhou e amou em vida". Se por acaso procurarem por mim, diga que o meu sumiço é porque estou me protegendo. Agora, adeus, meu elo e sintonia com você continuará vivo, porém em outros cantos do universo. 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

lembranças de morrer


Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas.
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei. que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores.
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo.
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.


Álvares de Azevedo

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

crônica de um professor

Fui professor durante toda a minha vida e trombei nesse longo período de 78 anos com pessoas que desacreditavam em mim e em minha profissão. Muitas delas me perguntaram o motivo de eu ter escolhido esse trabalho de pouco valor e prestígio, a minha resposta sempre era a mesma: "Eu não escolhi, eu precisei dela". Desta maneira, não posso relatar algo sobre o assunto sem citar o sentimentalismo ou o humanismo envolvente. Ter essa profissão é mais do que um salário - mesmo que mísero - no bolso, é mais do que uma lousa e um giz, um pedaço de papel e canetas vermelhas. É ser humanista, é enxergar além e ir além, é descobrir limites - seus e dos outros - é também redescobrir e filtrar-se em um meio desconhecido. Os horizontes para um professor são tão infinitos que muitas das vezes até eu já me perdi. Um professor não trabalha sozinho, porém ele tem de dar conta sozinho.
Já trabalhei em outras funções em minha vida, mas foi com a carreira de professor que minha carteira de trabalho lotou-se. Chega até ser engraçado, mas eu nunca cheguei perto da sensação enquanto professor, justamente por ser uma profissão que não é igual às outras, em suas peculiaridades, ela é flexível e maleável. Não existe rotina, afinal, é muita gente querendo mais, descobrindo mais, soa como um: "Mom! I wanna grow up". Eu defendo que em toda profissão haja amor, entretanto, defendo que a minha vai além disso, é um amor com uma pitada diferente de algo especial. A sensação é a mesma que surreal, neste caso, eu digo até ficcional, porém, uma ficção que se encaixa bem à realidade. É uma profissão da verdade crua e estampada, ou você faz ou você não faz. Desafios contínuos, discretos ou não... mas, desafios e em consequência destes, existem as decisões, das quais muitas das vezes elas que te escolhem.
Eu posso passar o dia inteiro ensinando - e o fazia muito bem -. É como se eu tivesse bebendo cerveja com meus amigos em um boteco do centro. O vinho e o champanhe eu deixo para os resultados. Sobre as ondas contrárias que encaramos, sob a óptica negativa dos que (não são) corajosos, lá estão eles, certamente com um livro embaixo do braço... e, a cada vez que eu entrava em uma sala de aula era uma sensação diferente, algo como prazer e excitação. Como eu já estou velho, mal me recordo de todos os meus alunos, quiçá alguns nomes. Eu costumava anotar todos em uma caderneta de capa dura com rabiscos em caneta bem vermelha para que eu nunca os esquecesse. Pois bem, os aprendizes de pequenas salas com um ou mais ventiladores pifados, cadeiras enferrujadas, barulhentas e mesas pichadas, tornaram-se grandes médicos, engenheiros, filósofos, advogados, músicos, etc......
Outro tópico importante que é preciso mencionar aqui é a arte, impossível deixar de citá-la. O ensinamento é uma arte passional que nos deixa encantados e viciados. Você é o artista e os alunos são a inspiração. Ser professor não é só receber uma simples maçã como forma de gratidão. É como o grande artista René Magritte quando retratou: ceci n'est pas une pipe. A metáfora mais sublime e amável em um simples gesto e símbolo. Ceci n'est pas une pomme. É mais do que isso, a maçã é a prova de que meu trabalho deu certo para alguém. É o símbolo de algo extremamente excitante e gratificante, pode ser - e é - que seja amor. Não há dúvidas de que grandes professores fazem grandes alunos que no futuro serão cidadãos e trabalhadores, porém, o mais importante: serão grandes humanos. 
Pronto, acho que desvendei a verdadeira face e diferença da minha profissão para as demais outras. Ela atravessa barreiras da formalidade e se aprofunda na intimidade, ela consegue desviar olhares, criar seres pensantes de opiniões que podem - e devem - mudar o mundo e a sociedade, mais além, humaniza-os.
Arritmia, isso é o nome do que acontece comigo quando eu lembro a direção certa que escolhi para minha vida. Uma sensação de euforia pelo novo e um amor intenso e profundo que descarrega toda a sua carga de forma inconsciente em meu coração, que agora é fraco. Definitivamente eu não errei, não ouvi os covardes. Apenas enfrentei.
Hoje sou aposentado, mas tento manter sempre em mente o quão útil eu fui na vida das pessoas que só tinham uma semente plantada dentro de si. Eu ajudei a crescer, hoje são belas e ricas flores. Matam-me de prazer. Ótimos perfumes que exalam por todos os cantos do mundo.
Eu... definitivamente não errei.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

solitário

(que tua alma não se afogue nos mares perdidos em que se perdeu;
teu fogo arde em orgulho e soberba;
são apenas chamas de um disperso sentimento)










sentada cá estou eu sempre sozinha;
a solidão corrói;
tempo que não passa;
tempo que passa não passa;
meu corpo tem ânsias;
ardência que não passa;
vem de dentro, transfere para fora;
é incurável,
eu sinto
sinto
muito
eu sinto e continuo sentindo
muita saudade sua.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

lágrimas líricas de um resumo encalhado

Era uma segunda-feira chuvosa e fria. Acordei tarde como sempre, sou dessas que troca o dia pela noite. Logo fui ao banheiro e me olhei no espelho com despeito. Olhava com rapidez para não ter que ver as leves olheiras, ou os traços marcantes que ressaltavam o meu estado emocional. Eu já não era a mesma faz tempo e eu estava empurrando a vida com a barriga. Dizem que o céu é o limite, o meu era ter de viver e acordar todos os dias com aquela repulsa eterna de algo incurável. Ainda no banheiro, vi um frasco de remédio na prateleira e curiosamente li as precauções, eram tantas que perdi a conta. Como um remédio que é para a cura possa ter tantas precauções? Estranho. Coloquei de volta e fiquei pensativa. Logo voltei ao meu quarto e fiz uma alusão sem fim daquela medicação. A vida poderia ter também uma bula com o modo de uso e, principalmente as precauções. Pelo menos eu me livraria de certas situações antes de mergulhar de cabeça naquilo. Eu fiquei imaginando e imaginando dezenas de acontecimentos passados da minha vida em que na hora que eu iria fazer tal ato uma tela piscando vermelha com letras garrafais diziam como se tivesse gritando para mim: "ADVERTÊNCIA: MELHOR VOCÊ NÃO FAZER ISSO!!!". Seria uma ótima maneira de precaução. Depois apareceria uma outra tela em que perguntaria se você tem certeza de continuar com aquilo ou não, reforçando o que poderá acontecer, como um sistema de computador, sabe? É louco, eu sei. Mas eu sou louca, eu viajo e eu sou uma pessoa que precisa muito de alguém ou algo superior a mim que me guiasse e me precavesse de tudo que poderia me causar o malefício. Enfim. Minhas rotinas eram essas, muitas vezes ficar me perguntando o por que de algumas coisas e o (des)por que delas. Virando ao avesso toda a minha vida para encontrar alguma solução cabível e completamente adequada para mim. Quero encontrar por mim mesma, porém sou meio perdida. Não sei administrar bem as coisas, tampouco lembro o que eu comi no almoço ontem. 
Era uma terça-feira e continuava frio. Esse dia acordei pior que o normal, comecei a pensar que eu estava com uma espécie rara de doença que ia me matando aos poucos. As vezes eu queria que isso acontecesse de verdade. É duro eu admitir isso, mas eu queria. A minha amargura era tremenda que eu não me aguentava em pé, só pensava em dormir e dormir e dormir. O sono era incansável e não saía do meu corpo. Eu agradecia por isso até porque o tempo passaria mais depressa e eu não teria que encarar alguns fatos da vida. A fantasia era o suficiente para mim. Só de eu sonhar com algo que me fazia bem e me dava boas lembranças eu já me sentia confortável. Só que passa. Tudo passa. Minhas lágrimas descem tão devagar.... meu rosto é ainda tão liso em uma pele tão seca, que as lágrimas inundem e invadem. São evasivas e acabam deixando como uma pele fértil, como se fosse a chuva mais esperada do sertão mais árido e ressacado de todos. Trazem esperança consigo, mas passageiras. Trazem dor. É uma faca bem pontuda te desafiando todo o tempo e você perdendo a maioria das vezes. Ninguém gosta de sentir dor, eu muito menos. Continuei o meu dia vazio como uma alma vazia perambulando o mundo sem nenhum sequer destino. Espera aí, o que eu estou fazendo aqui mesmo?
Era uma quarta-feira, não me lembro do tempo, mas provavelmente estava frio. Frio é sinônimo de "alguma-coisa-ruim-para-VOCÊ-vai-acontecer". As coisas ruins aconteciam para mim, eu pisava em falso a todo momento. Lembro-me desse dia eu ter me comparado como uma bêbada equilibrista, foi como se Deus me enviasse ao mundo como uma eterna bêbada andando e caindo, colocasse vários buracos e armadilhas para eu passar e eu falhando em todas. Engraçado. Talvez. Mas eu não conseguia rir. Olhava-me no espelho e só conseguia ver os meus defeitos, o que há de mais pessimista em mim tornava-se expressivamente aguçado quando eu tentava me olhar no espelho. Minha imagem era debilitada e dificilmente conseguia sentir algo por mim. Estava cansada. Ter uma boa autoestima nunca foi o meu forte. 
Quinta-feira. Eu estava lá, vivendo. Com medo de acordar todos os dias, com aquele sentimento: O que mais de ruim vai acontecer hoje? O que mais vou ter que enfrentar e ser forte? Minha maquiagem estava intacta, até o momento de me sentir a pior pessoa do mundo de novo e ter recaídas de algo que não quero mais. A abstinência é o ponto mais crucial e trágico de alguém, e não seria diferente comigo. Eu chorei tanto esse dia que minhas lágrimas saíram pretas, era minha maquiagem se desestabilizando. A máscara havia caido. Mas será que essas lágrimas escuras e pretas não seriam nada mais e nada menos que a tradução do que eu estava sentindo por dentro? Sim. Eu estava daquele jeito, eu era daquele jeito. Cada lágrima que descia deixava um rastro reto e intacto no meu rosto, mesmo se eu limpasse com água fresca aquilo não saía, uma mancha eterna. Mas que droga! Eu só queria estar bem e voltar a me encontrar de novo.
Sexta-feira, nada de novo. Fim de semana, idem. Costumo beber e passar o tempo-que-nunca-passa. Estou esperando ainda a banda passar, como diria Chico Buarque. São tantas perguntas que eu me faço que eu não sei por que continuo as fazendo. Por que as pessoas insistem em fazer o pior comigo? Por que insistem em me desafiar a todo momento? Ou melhor, por que as pessoas escondem sentimentos? A ditadura do sentimento é a pior repressão de um ser humano. Por que existem pessoas que lutam contra um afeto a ponto do orgulho ser mais importante do que um simples gesto de afeição e envolvimento? Ou eu sou sentimental demais para esse mundo ou então os outros é que estão errados... Só sei que se estiverem certos, eu não vou fazer parte dessa porcentagem. Alguns gestos e atitudes machucam mais que um tiro na nuca — o que seria a coisa mais fácil e rápida a se fazer no momento, porém não —. Tudo o que eu queria era conseguir refazer algo, começar tudo de novo. Não me reprimem! Não reprimem a si mesmos. A vida é muito curta para isso... Paixões teremos o tempo todo, assim como apatias. Mas amores... Ah, esses só  vai existir um.
Esse resumo foi apenas um excerto bem breve de como é minha vida. Vocês me perguntam se melhorou algo..... Não. Queria até poder escrever nestas linhas rasuradas de caneta azul com tantos erros, algo diferente, algum acontecimento bom. Por enquanto não há, a banda não passa. "A moça feia debruçou na janela pensando que a banda tocava para ela". Só ilusão. Nunca iria acontecer isso. Os resumos da minha semana ficarão encalhados na última gaveta desta escrivaninha criando teias de aranha com páginas amareladas e caneta desbotada. O mundo dá voltas, pena que o meu está com problema na órbita. Talvez uma órbita parabólica, como diria Isaac Newton, em que está parado no ponto mais ignóbil de um sistema. Enquanto ainda não criam uma fórmula física para desencalhar o meu mundo, eu continuo a descativar as lágrimas obscuras do meu interior, quieta e no meu canto. Ninguém pode saber disso. Minha fragilidade é só minha e ninguém mais precisa saber disso. É isso, acabei de criar a minha própria precaução. E agora chegou o momento, um poema de Cecília Meireles pede para ser lido, deixe-me pegar um copo de whisky.....
"Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontem...
Não queirais ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens. 
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queirais marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.

É a tua eternidade...
É a tua eternidade.
És tu."

domingo, 20 de julho de 2014

memórias de um nascer do sol

 *

 1985

E então ela disse:
- O sol vai nascer. Por que você não senta do meu lado?
Enquanto ela dizia, eu estava em pé terminando de pegar meus pertences na moto. Virei-me e olhei para ela. A imagem era perfeita. Eu realmente fiquei esmorecido com aquele cenário meio escuro dando um contraste laranja, tornando-se dia. Um vento de leve esvoaçava os cabelos dela me trazendo uma brisa de paz. Seus lábios doces e avermelhados dizendo para que eu me sentasse ao lado dela... Ah! Aquilo certamente foi uma das coisas mais belas que eu já vi. Como resistir a um pedido desses de uma garota tão serena. Foi então que respondi meio sem jeito:
- Estou aqui, querida. Com certeza esta paisagem ficou mais bonita com você do meu lado.
Bastou esta frase para que ela se virasse para mim tímida tampando seus cabelos longos em sua face já bronzeada pelo alaranjado do sol nascente. Deu para notar a clareza de sua timidez. Suas bochechas estavam rosadas, uma cor saudável em uma tez maravilhosamente perfeita. Respondeu:
- Pode tirar uma foto para mim? Você é um fotógrafo nato. Sabe capturar os meus melhores ângulos.
Neste momento eu já estava concordando com tudo o que ela falava. Nem prestava mais atenção, apenas concordava. Logo tirei a foto com a sua Nikon de modelo F3.
Brevemente, depois deste expressivo nascer do sol, subimos na moto e pegamos a estrada de volta para a cidade. Ao mesmo tempo que eu acelerava a velocidade, eu queria diminuir para que o tempo durasse o infinito. Ela, sentada na minha garupa, robusta e atenciosa, prestava atenção em todo o momento em que a velocidade ultrapassava do esperado. Toda vez que ela se sentia em perigo, abraçava-me com força. Eu sentia seus dedos e suas mãos espalhadas pelo meu peito como sinal de segurança. Cada gesto simples dela, transparecia seu amor carnal e ardente. Então ela disse sussurrando nos meus ouvidos:
- Não vá muito rápido. Você sabe que essas estradas têm buracos e são perigosas.
Com certeza ela estava certa. Diminui a velocidade e agradeci sozinho pelo momento interminável.
Ao chegar na cidade, deixei-a em casa e parti, com muito bom humor, para a minha. Mas antes ainda tinha o dever de revelar as fotos.

 *

1992
Minha rotina era comum. Cheguei em casa, porém era inevitável que o meu dia estava ocorrendo bem. Deitei-me na minha macia cama e peguei meu antigo álbum de fotos. Vi conseguinte a sua foto estampada em minha galeria. Notei o quanto eu me tornava feio do lado dela. Fiquei olhando para aquela foto durante uns minutos, vi cada detalhe. Fiquei imaginando como tinha sido esse dia. Algumas lágrimas caíram em progressão.
De repente ouço o barulho da porta do meu quarto bater, limpo rapidamente as lágrimas para que não haja vestígios. Respondo:
- Pode entrar!
Era a minha esposa. Também era linda e doce.
- Nossa, nem vi você chegar hoje do trabalho! - se aproximou de mim sorrindo e me deu um beijo. - Por que não veio até mim? Sabe que gosto de tirar sua gravata quando chega. - deitou-se do meu lado na cama.
Eu claramente estava triste e nostálgico, mas não queria transparecer. A mulher da minha vida era a que estava presente em carne e osso comigo. Eu não poderia deixá-la machucada. Respondi com um sorriso malicioso:
- Eu sei. Vim direto para o quarto, hoje quero que você tire minha gravata na cama. Não quis esperar nenhum momento. Aliás, por que ainda está de roupa?
Logo, fizemos muitas loucuras. Foi excitante, foi prazeroso. Não tenho o que reclamar. Quando terminamos, ela apenas se virou e dormiu. Creio que estava cansada.
No outro dia, levantei-me para trabalhar. Dei um beijo em sua testa, peguei um café e acendi meu cigarro. Estava atrasado, então li as notícias do jornal dentro do carro. Deparei-me com uma enorme e extensa manchete: "CONCLUÍDO O CASO DA MENINA DO NASCER DO SOL". Alarmado, comecei a ler a notícia afim de descobrir a causa do crime. Naquele mesmo momento, um filme havia passado na minha cabeça, eu tinha me dado conta que a minha menina havia morrido há sete anos. Depois que a deixei em casa naquele dia do nascer do sol, nunca mais tive notícias. Procurei-a por todos os cantos. Eu era um adolescente teimoso que queria sua namorada de volta. Lembro-me que foi um período conturbado em minha vida, os policiais ficavam na minha cola o tempo todo achando que eu era o assassino. Equivocados. Meu amor era tão grande por aquela garota que era mais fácil eu me matar por ela. Crime passional em mim mesmo.
Diante de toda aquela confusão de sentimentos, fui para o trabalho e me tranquei na sala. Chorei, chorei e chorei. Havia me dado conta que podiam se passar, dias, meses, anos. Mas eu ainda tinha o mesmo amor pela menina. Nunca fui capaz de deixar este passado trágico de lado. Nem mesmo consegui me desfazer das antigas fotos. As memórias da menina do nascer do sol ainda eram intactas no meu pensamento. Andavam comigo. Foi como um pôr do sol que nunca mais nascerá de novo. Nunca mais vi um nascer. Só tinha graça com ela.

*

Agora, estou aqui velho. Meio caduco e acabado, porém com a memória viva. Escrevo em uma mesa apertada com um lápis semi apontado. Ainda estou casado, continuo fumando também. Tenho alguns problemas no pulmão. Mas ainda posso sentir a essência do perfume da menina do nascer. Minha eterna amante, minha eterna namorada. Nos vemos em breve.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

o tempo

tem.po
sm (lat tempu) 1 Medida de duração dos seres sujeitos à mudança da sua substância ou a mudanças acidentais e sucessivas da sua natureza, apreciáveis pelos sentidos orgânicos. 2 Uma época, um lapso de tempo futuro ou passado. 3 A idade, a antiguidade, um longo lapso de anos. 4 A existência humana considerada no curso dos anos. 5 Época determinada em que ocorreu um fato ou existiu uma personagem (com referência a uma hora, a um dia, a um mês ou a qualquer outro período).

O tempo é tempo. O tempo é vago, é ligeiro e até mesmo meteórico. As vezes demorado e preguiçoso, porém flexível. Em suas vicissitudes, as plenas mudanças nos causam dor ou felicidade. É um paralelo contínuo que andam juntos, mesmo que seja efêmero.
Dizem que o tempo é sábio. Sábio por abrir caminhos, por desatar nós criados pela vida, ou por nós mesmos, por nos dar lembranças e saudosismos. Em sua totalidade, por ser capaz de assoprar o mágico vento rápido que nos dá a sensação de vida passageira. É possível criar a ideia de que, em um piscar de olhos, ele seja responsável pelo acontecimento de detalhes... que... inexplicavelmente... apenas... acontecem. As reticências são poucas para o tanto de peripécias que o tempo pode trazer.
Sinceramente, eu não sei se concordo com o provérbio de que o tempo cura e cura tudo. Posso dizer que ele é um relógio sem hora para acabar, ou até mesmo, uma bomba relógio que pode explodir a qualquer momento e causar um sentimento vulcânico, abrasador, avassalador... enfim, intenso. O tempo passa, mas pode ter o poder de levar consigo o punho destrutivo. A sede de querê-lo é grande, mas ei quem diga que ele é angustiante. Enquanto escrevo estas pequenas linhas neste papel timbrado, outras mil linhas já foram escritas com o meu tempo sobrecarregado por apenas um desejo: encontrar o poder do tempo e sua real conjuntura. Ainda não encontrei, então considero que a tese de que o tempo cura está equivocado. 
No momento que eu penso, todas as folhas timbradas já se tornaram amareladas, manchadas, amassadas. Estão envelhecidas. Talvez o que eu pensei um segundo atrás já não faça mais sentido nos meus próximos segundos, minutos, horas, anos de vida. No máximo as guardarei em uma gaveta para que fiquem por mais um longo período ocultas. E eu me pergunto: durante este tempo, algo mudou? O sentimento continua pleno e quiçá o mesmo. Novamente, o tempo de que dele é o curador está errado. Nós mudamos, tudo muda. É como se a palavra mudança fosse um complemento para tempo. Uma graduação em que o tempo seria seu certificado.
Eu posso até ter e sentir uma rápida cicatrização dos machucados de minha tez sensível e imatura. Mas, as interiores são totalmente opostas, incompatíveis. E, talvez, é neste nó em que se cruzam. Acho que finalmente encontrei o significado do tempo. Ele é subjetivo. Ele é tudo o que uma palavra com "sub" pode haver de significado. Ele é substancial. Ou melhor, ele é apenas um sub-de-qualquer-coisa. É como se deixássemos levar pelo significado de quando alguém está muito doente. A primeira coisa que alguém faz quando se está enfermo é buscar o primeiro remédio que faça aliviar a dor. Porém não tem resultado. Só confunde. Engana por umas horas, depois reaparece. Digamos que o tempo se encaixa neste ciclo.
Não temos como correr ou fugir, apenas nos deixar levar. É inevitável, a vida é assim... inevitável. Fomos colocados em um lugar em que todos estão perdidos, entretanto, todos procuram o mesmo ideal: o tempo. Isso é um traço comum entre nós, a procura do perdido e a resolução imediata dele. Olhemos para o relógio: todos querem saber a hora, todos querem saber quando... e quando... e quando. Todos querem o tempo. Ao invés de corrermos dele, corremos para ele. No acaso, é possível  que ele consiga responder todos os nossos questionamentos por ora.
Enquanto isso estarei sentada lendo um livro esperando por ele, pelo tempo... Que poderei -ou não- ter perdido.

domingo, 29 de junho de 2014

pétalas e chamas

Já dizia Cruz e Sousa,
"Ó Formas alvas, brancas, Formas claras"
Forma esta, branca como a lua,
Grita silenciosamente quimérias do desejo.
Teu rosto macio como a alma lírica dos lírios
Sinto teu corpo leve como pétalas triunfando-se no meu.



Ó, virgem branda! Lá está ela!
Tua essência escorre como pingos de suor
Em meu corpo quente, como Réquiem do Sol.
Teus belos cabelos dourados escondendo
O meu rosto de prazer e desejo.
Virgem bela, ouço a harmonia de nossos corpos
Sintonizando-se como as puras constelações.



Tuas formas claras me trazem leveza
Claras como a pureza de tua malícia,
Murmuro em teus ouvidos o veneno
Doce e excitante, destilando sutis perfumes.
Gozo de prazer com tua delicadeza mórbida
Que fere e acaricia.



Turbilhões de sentimentos,
Aqueles que eu chamo de carnais...
Nossos corpos se unem por um noite,
Como se fossem únicos em uma chama de pétalas infinita.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

...

(...) e o meu destino eu entrego à Ele, somente à Ele. Enquanto nada acontece, eu fico aqui sentada e sofrendo com o entardecer, com medo do amanhã e do que ele poderá me trazer. Continuo aqui, com medo, de quando o pôr do sol aparece e do que com ele virá. Porém, aqui estou, meu destino escrito e talvez reformulado como um rabisco de um texto incompleto. Meu destino é uma reticências sem fim..........................

quinta-feira, 12 de junho de 2014

machadiando

"No primeiro dia pensei em me matar. No segundo, em virar padre. No terceiro, em beber até cair. No quarto, pensei em escrever uma carta para Marcela. No quinto, comecei a pensar na Europa e no sexto comecei a sonhar com as noites em Lisboa. Em seis dias Deus fez o mundo e eu refiz o meu." 

[Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis]

quinta-feira, 29 de maio de 2014

dose (in)falível

Eu o observava de longe, mas não falava nada. Só observava.

*

Ele era deprimido. Abria aquela gaveta toda noite antes de dormir e tomava um comprimido azul. Logo dormia. Quando não tinha, eu o via perambulando pelo quarto como um sonâmbulo sem nem saber o que está fazendo na terra. Perambulava e perambulava, coçava a cabeça e de vez em quando olhava para o teto e respirava fundo. Eu tinha muita vontade de saber o que se passava em sua mente. O quarto era um cenário ermo e misterioso com luzes amareladas bem gastas, as vezes falhava e fazia barulhos como se quisessem queimar, as paredes eram descascadas e com uns rabiscos de giz de cera, provavelmente fora seu querido sobrinho. Não havia nada de extraordinário em seu quarto, não conseguia enxergar um objeto de distração que pudesse fazê-lo dar um sorriso. Nunca nem se quer vi os dentes dele. Sempre que conversava no telefone era com um tom de voz baixo, meio tímido e intimista. Pelo visto o telefone não era um objeto de seu interesse. A única coisa visível era seus livros de capas amassadas e desgastadas em seu único e minúsculo criado-mudo no canto do dormitório, provavelmente lá se encontrava textos de Goethe, Tolstói e Shakespeare.
O que eu via? Via um ser solitário e doloroso. Sentia alguma dor interna ou externa - quiçá as duas, ninguém sabe - por isso tomava aqueles comprimidos azuis. Sua rotina era normal, trabalho e casa. Os fins de semana se resumiam em pizza e cerveja. Sozinho. Notei que de vez em quando apenas sua irmã com seu sobrinho vinham lhe fazer uma visita. Realmente a vida deste rapaz não era nada agradável e saudável. Confesso até que já o vi chorar algumas vezes deitado como um corcunda com frio em sua cama barulhenta e enferrujada. Triste. Pensando bem essa é a palavra que o resumia.

*

Certa vez me distrai por uns dias, pois eu tinha que cuidar da minha vida também, resolver umas pendências, logo me descuidei do rapaz. Quando parti para observá-lo novamente, percebi que aquela alma já não estava mais lá. O corpo era como se tivesse necrosado de tristeza, desilusão e sofrimento - que eu não sei de quê -. Doeu. A primeira coisa que eu tive em mente foi: "Liberdade". Não sabia se ficava feliz ou triste com a situação. Afinal, o sentimento de liberdade é algo bom e saudável para alguém! Mostra que é independente em suas opiniões e vontades. Sabe o que quer e o que não quer, pulso firme. Mas, e para aquele rapaz? Será que era bom? Os dias para o jovem passava tão demorado que muitas das vezes até eu ficava entediado. Nada acontecia, era uma mesmice sem fim. Talvez se eu mesmo tivesse uma vida dessas, iria querer encontrar o portão da liberdade o mais rápido possível. Cada lágrima que ele chorava podia (e devia) significar algo. Dizem que as lágrimas são somente a tradução do que estamos sentindo por dentro. Além do mais, o que me parecia quando eu o observava era que ele vivia em uma constante panela de pressão. Ansioso e depressivo, os seus sapatos eram desgastados de tanto que perambulava sem destino por ruas estreitas e sem saídas. Era difícil falar de si mesmo, a única vez que eu o ouvi falando foi algo mais ou menos assim: "a obrigação de viver é que me mata!".
Enfim, quando entrei naquele quarto novamente senti uma sensação pesada e desconfortante. Não queria ficar lá nem mais um minuto. Aquilo me deixou com náuseas e me causou um rebuliço interno só de pensar na linha digressiva da vida do rapaz e do que pudera ter acontecido. Saí esmorecido e quando dei de mim já estava há dois quarteirões longe daquela casa. Parei por um momento em uma rua para respirar e tentar entender porquê a vida de algumas pessoas é tão ingrata e inconsequente. Encostei-me em um carro parado e calmamente ia respirando para que meus pensamentos voltassem ao lugar. Quando finalmente retornei ao meu estado de espírito, coloquei friamente minhas mãos na cabeça em um tom reflexivo e logo cheguei a conclusão de que o sofrimento é algo que nos mata, se não nos mata, nos enfraquece. E, infelizmente, disso nós não temos nenhum comprimido azul que cure ou que nos faça esquecermos.

meninos suicídas

Um acabar seco, sem eco,
de papel rasgado
(nem sequer escrito):
assim nos deixaram antes
que pudéssemos decifrá-los,
ao menos, ao menos isso,
já não digo... amá-los.

Assim nos deixaram e se deixaram
ir sem confiar-nos um traço
retorcido ou reto de passagem:
pisando sem pés em chão de fumo,
rindo talvez de sua esbatida
miragem.

Não se feriram no próprio corpo,
mas neste em que sobrevivemos.
Em nosso peito as punhaladas
sem marca - sem sangue - até sem dor
contam que nós é que morremos
e são eles que nos mataram.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 2 de maio de 2014

soneto da dor

sinto-lhe mais longe
como o vento que assopra,
te assopras para longe de mim
como um grande e forte vendaval.


ó ventania, se tu soubesses o quanto me magoa,
não o leve para longe de mim,
não traga a solidão profunda em tempos serenos,
não quero arder na melancolia da dor!


ó tempo, não cure, só me leve de volta onde parei;
estas tristes purpurinas viraram cinzas sem cor,
por mim não tem mais valor,
ó Inês, o amor é um fogo que arde sem se ver;


necessito atravessar essa ponte sem pressa,
para que eu alcance o sentimento
que a astuta ventania levou de mim.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

enfim os quarenta

E cheguei aos meus quarenta anos. Dizem que essa é a época menos esperada pelas mulheres, aquela famosa fase do: Cheguei aos meu quarenta, e agora? Schopenhauer já dizia: "Os primeiros quarenta anos de vida nos dão o texto: os trinta seguintes, o comentário". Paro o que eu faço e me olho no espelho, enxergo rugas que antes eram apenas traços finos e quase invisíveis. Pele invejável. Via-me rindo com qualquer piada inepta. Era eu na minha juventude, era eu sendo eu só que vinte anos mais nova. Hoje me olho no espelho e vejo minhas rugas mais aparentes e abrangentes, meu rosto já não é mais o mesmo, tampouco meu jeito. Continuo fumando maços de cigarro, meus pulmões certamente mudaram com o tempo. Nem sequer consigo subir uma ladeira. Ah! A juventude, como ela é nostálgica.
Tenho uma mania de guardar tralhas, objetos obsoletos, roupas que não servem mais, somente para sentir o cheiro e lembrar de momentos que não voltam mais. Minha memória olfativa é ótima, já a mental está sofrendo com o tempo. Sinto-me mais velha do que nunca. Abro a gaveta das tralhas e começo a revirá-la. Encontro aquela carta do meu primeiro namorado da escola. Leio dando risada, o amor era tão deleitante naquela época, experimentei de tantas fragrâncias. Quantos homens já rolaram em minha cama? Nem me pergunte, não tenho nem ideia. Provei dos mais loucos amores, mais loucos homens que possa imaginar. Fiz sexo com amor e sem amor, já fiz até sexo sem vontade e desprezível de prazer. Posso dizer que nesse aspecto aproveitei bem a minha vida. Só não consegui aproveitá-la de uma maneira que me opusesse à certos sentimentos, pois nunca consegui manter uma relação pulcra de amor. Sempre fui aquela menina decidida e de personalidade forte, quase nenhum homem aguentava a pressão que eu tornava a vida deles. Mas não era por mal, aquele era o meu jeito de amar.
Lembro-me de um episódio de um namoradinho meu da graduação que falou com grande convicção: "-Tu consegues ser a mais bela gentil das mulheres, seduzindo e exalando fascínio por onde andas, mas ao mesmo tempo consegues ser a pior das mulheres quando veste a máscara irascível tornando qualquer momento colérico e desgastante para mostrar, unicamente por bel-prazer, teu temperamento forte e difícil de lidar". Quando acabou de falar com um tom doce e melódico essas fortes palavras, aquilo me comoveu de uma certa forma negativamente, que apenas virei de costas para ele e falei: "-Então corre de mim, traste!" Dito e feito. Foi o que aconteceu. O elegante homem e de família granfina virou-se as costas também para mim e nunca mais o vi e nem tive notícias. Meus amores eram feitos de ardor e fogo, mas ao mesmo tempo trágicos. Digamos que, tempestuosos.
Com meu emprego maçante e fastio, vivo uma rotina corrida de dois empregos sem horário para descanso. Ser dona de casa também cansa, é um emprego importuno e sem retorno financeiro, apenas doloroso e desgastante. Sinto minha coluna travada toda vez que resolvo passar a vassoura na minha imensa sala de 25 m². Conto o tempo apreensiva de quando vou poder me aposentar. Hoje me vejo deitada na cama, porém bem mais parada do que antigamente, só eu deito nela, não tenho o calor de alguém para compartilhar com o meu no frio e não sinto o suor de alguém no calor. Vejo o quanto me arrependo de ter sido tão indelicada e estulta para o amor. Recebi-os tantas vezes, mas deixei-os passar com tanta facilidade, como uma areia que se esfarela no meio de seus dedos e desaparece com facilidade. O que dizer dos geniosos? O que dizer de mim mesma se não a colheita de minha sofreguidão? Teriam padecimento de mim? Hoje os meus casos selvagens viraram amenos, repousados. É como um animal feroz em seu maior momento de plenitude da vida. É insólito. Vejo-me em meu gato, a sua palidez conforme seus movimentos suspeitos e obscuros. Sempre pensando em cada passo e calculando cada metro quadrado. Sou assim, calculei tanto e veja onde eu parei. Em uma casa pequena com uma vida remota e singular. Os plurais já não cabem mais em mim. Descobri que o amor não cabe e nunca coube em mim. Sou como uma forasteira no assunto, de tantas e inúmeras experiências, não aprendi nada. E aqui vivo desamparada sem o direito de desfrutar de prazeres que antes eu não os suplicaria tanto por tê-los fáceis em minhas mãos, mas hoje, na situação em que estou, pensaria duas vezes em mandá-los para longe. Suplicar-lo-eis. Quem sabe não os encontro no resto dos meus trinta seguintes anos, trazendo o desfecho do comentário do texto de minha vida que tanto procurei.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

o ponto da melancolia

Choro. Sorrio. Choro de novo. Te vejo por aí. Choro de novo. Me encanto. Me desencanto. Te persigo em pensamento. Não descanso. Canso. Te imagino. Te odeio. Mas te amo. Corro atrás. Volto ao mesmo lugar de sempre. Te encontro. Te beijo. Te agarro e te amasso. Choro. Limpo as lágrimas. Te beijo de novo. Choro. Os compromissos marcam a hora de ir embora. Me apresso. Te puxo. Te abraço. Te agarro forte. Te solto. Te beijo com ternura. Te beijo com raiva. Choro. Olho pro relógio. Hora de ir embora. Te vejo mais longe. Corro mais perto. Te abraço. Te sinto. Te prendo. Dada a partida pra correria dos compromissos. Me desaproximo. Choro mais. Te vejo cada vez mais longe. E eu cada vez mais perto da melancolia. Fecham as portas. Te vejo partir. Choro. Me pergunto: te verei de novo? Meus pés não se movem, querem ficar parados ali. Luto contra o coração. A razão é a minha sabedoria. Me pergunto de novo: vou vê-lo mais uma vez? Não. Nunca mais. Para sempre. Choro.

sábado, 8 de março de 2014

stairway to heaven

Distante do mundo eu me vejo. Muita coisa se passa pela minha cabeça neste momento. Passamos muito tempo de nossas vidas procurando e vasculhando respostas e acabamos esquecendo das perguntas. O tempo passa.
O tempo passa e eu sinto que continuo empacada no mesmo lugar em que parei meses atrás, não ando para frente, só caminho em círculos. Círculos sem fim, talvez nem seja um círculo, seja um quadrado enorme, em que as arestas nunca se encontram. Porém as vezes acredito que seja um círculo. Eles não têm lado, não têm nada, são sem graças. E é o que eu sou no momento.
Quando chego em casa todas às noites depois de um dia extremamente cansativo, deito em minha cama e procuro refletir sobre as coisas, e insistentemente, me vem a seguinte pergunta na cabeça: "Por que o tempo não passa para mim? Dizem que ele cura tudo. Por que comigo é diferente?" Já estamos em março de 2014 e as coisas realmente não funcionam para mim, ou pelo menos não andam do jeito que eu achava que andariam. Cada vez eu estou pior. Essa é a real. Não sou um cigarro em que a cada tragada a fumaça queima toda aquela nicotina e todos aqueles componentes químicos até queimar tudo, até não sobrar nada. Eu queria ser assim. Eu queria ser um cigarro em que em tempos cada tragada refletisse em um pedaço queimado meu, um pedaço que se perde pelas ruas ou até mesmo a fumaça que se desfaz com o vento e... desaparece. Quero desaparecer. Melhor, quero que este sentimento interno desapareça, se esfarele, que seja um batom que saia com uma passada de guardanapo. Que seja fácil assim, que seja simples. Mas, temos que lembrar que o sofrimento não tem prazo de validade. Se tivesse, seria tão mais fácil. Imaginem se alguém chegasse agora falando: "-Olha, tu sofrerás somente por três meses! Acabando, tu conseguirás ser livre!". Não é assim. Não sabemos o fim. E a validade? Ela pode ser eterna. Esse é o meu maior medo. A minha maior prisão interna. Que a ferida cure e cicatrize, mas que a cicatriz continue com todas as marcas visíveis no meu corpo. Eu sou fraca e nesta luta eu perco facilmente e corriqueiramente. A dor é mais forte que a razão.
Me vejo parada no tempo, porém totalmente distante, em um universo paralelo. Estou vivendo, sistematicamente, mas vivo. Tenho minha rotina, que por sinal, não é interessante, faço minhas coisas, bebo nos finais de semana, viajo quando posso e também viajo no tempo com todas as minhas brisas, ainda sonho, experimento novas universos e aventuras. Mas chego em casa e deito na cama e tudo isso para e me lembro que ainda me encontro no ponto inicial do tabuleiro. Isso tudo é um jogo. E o meu peão ainda não saiu do ponto inicial. Quero avançar novas casas, o tempo está correndo. Porém não posso contra ele. Ele é mais rápido que eu e eu, mais fraca e menos sábia. Ele é tão mais rápido que nem alcançá-lo eu posso. Deve ser por isso que ele não passa para mim. Deve ser por isso que as coisas ainda acontecem para mim. É como um trem passando super rápido e eu lá longe tentando correr o máximo que eu posso para pegá-lo. Sem sucesso. E assim eu continuo. Me sento no banco esperando outro trem passar. Desta vez tento ser mais esperta para pegá-lo com antecedência. Mas quem disse que eu consigo? Dizem que a sabedoria é a nossa maior virtude.
O futuro, me instiga, em contrapartida, o passado me atrai. É uma corrente, quiçá uma gangorra em que de vez em quando quero alcançar o futuro e, outrora, voltar ao passado. Sem fim. Quero me libertar. Quero gritar. Quero voltar ao mundo sem pertencer à ninguém. Agora neste caminho sou só eu... sozinha, eu me amando somente e pensando só em mim. Quero restabelecer um contato com o mundo. Caso isso não aconteça, o universo será meu. E o paraíso vai ser meu destino, e assim, do paraíso vai ser as escadas em que eu tentarei subir, como diria Robert Plant, nós que compramos nossas próprias escadas, porém cabe a nós o destino de segui-las e subi-las. Posso estar subindo a errada. Posso ter subido a errada durante este tempo todo. Revertê-lo-ei, quem sabe. Quem sabe o tempo me dê alguma trégua. Ele não pode ser malvado assim por muito tempo. As minhas escadas já estão garantidas. Só resta saber o meu amanhã.