Fui professor durante toda a minha vida e trombei nesse longo período de 78 anos com pessoas que desacreditavam em mim e em minha profissão. Muitas delas me perguntaram o motivo de eu ter escolhido esse trabalho de pouco valor e prestígio, a minha resposta sempre era a mesma: "Eu não escolhi, eu precisei dela". Desta maneira, não posso relatar algo sobre o assunto sem citar o sentimentalismo ou o humanismo envolvente. Ter essa profissão é mais do que um salário - mesmo que mísero - no bolso, é mais do que uma lousa e um giz, um pedaço de papel e canetas vermelhas. É ser humanista, é enxergar além e ir além, é descobrir limites - seus e dos outros - é também redescobrir e filtrar-se em um meio desconhecido. Os horizontes para um professor são tão infinitos que muitas das vezes até eu já me perdi. Um professor não trabalha sozinho, porém ele tem de dar conta sozinho.
Já trabalhei em outras funções em minha vida, mas foi com a carreira de professor que minha carteira de trabalho lotou-se. Chega até ser engraçado, mas eu nunca cheguei perto da sensação enquanto professor, justamente por ser uma profissão que não é igual às outras, em suas peculiaridades, ela é flexível e maleável. Não existe rotina, afinal, é muita gente querendo mais, descobrindo mais, soa como um: "Mom! I wanna grow up". Eu defendo que em toda profissão haja amor, entretanto, defendo que a minha vai além disso, é um amor com uma pitada diferente de algo especial. A sensação é a mesma que surreal, neste caso, eu digo até ficcional, porém, uma ficção que se encaixa bem à realidade. É uma profissão da verdade crua e estampada, ou você faz ou você não faz. Desafios contínuos, discretos ou não... mas, desafios e em consequência destes, existem as decisões, das quais muitas das vezes elas que te escolhem.
Eu posso passar o dia inteiro ensinando - e o fazia muito bem -. É como se eu tivesse bebendo cerveja com meus amigos em um boteco do centro. O vinho e o champanhe eu deixo para os resultados. Sobre as ondas contrárias que encaramos, sob a óptica negativa dos que (não são) corajosos, lá estão eles, certamente com um livro embaixo do braço... e, a cada vez que eu entrava em uma sala de aula era uma sensação diferente, algo como prazer e excitação. Como eu já estou velho, mal me recordo de todos os meus alunos, quiçá alguns nomes. Eu costumava anotar todos em uma caderneta de capa dura com rabiscos em caneta bem vermelha para que eu nunca os esquecesse. Pois bem, os aprendizes de pequenas salas com um ou mais ventiladores pifados, cadeiras enferrujadas, barulhentas e mesas pichadas, tornaram-se grandes médicos, engenheiros, filósofos, advogados, músicos, etc......
Outro tópico importante que é preciso mencionar aqui é a arte, impossível deixar de citá-la. O ensinamento é uma arte passional que nos deixa encantados e viciados. Você é o artista e os alunos são a inspiração. Ser professor não é só receber uma simples maçã como forma de gratidão. É como o grande artista René Magritte quando retratou: ceci n'est pas une pipe. A metáfora mais sublime e amável em um simples gesto e símbolo. Ceci n'est pas une pomme. É mais do que isso, a maçã é a prova de que meu trabalho deu certo para alguém. É o símbolo de algo extremamente excitante e gratificante, pode ser - e é - que seja amor. Não há dúvidas de que grandes professores fazem grandes alunos que no futuro serão cidadãos e trabalhadores, porém, o mais importante: serão grandes humanos.
Pronto, acho que desvendei a verdadeira face e diferença da minha profissão para as demais outras. Ela atravessa barreiras da formalidade e se aprofunda na intimidade, ela consegue desviar olhares, criar seres pensantes de opiniões que podem - e devem - mudar o mundo e a sociedade, mais além, humaniza-os.
Arritmia, isso é o nome do que acontece comigo quando eu lembro a direção certa que escolhi para minha vida. Uma sensação de euforia pelo novo e um amor intenso e profundo que descarrega toda a sua carga de forma inconsciente em meu coração, que agora é fraco. Definitivamente eu não errei, não ouvi os covardes. Apenas enfrentei.
Hoje sou aposentado, mas tento manter sempre em mente o quão útil eu fui na vida das pessoas que só tinham uma semente plantada dentro de si. Eu ajudei a crescer, hoje são belas e ricas flores. Matam-me de prazer. Ótimos perfumes que exalam por todos os cantos do mundo.
Eu... definitivamente não errei.
Eu... definitivamente não errei.
