E cheguei aos meus quarenta anos. Dizem que essa é a época menos esperada pelas mulheres, aquela famosa fase do: Cheguei aos meu quarenta, e agora? Schopenhauer já dizia: "Os primeiros quarenta anos de vida nos dão o texto: os trinta seguintes, o comentário". Paro o que eu faço e me olho no espelho, enxergo rugas que antes eram apenas traços finos e quase invisíveis. Pele invejável. Via-me rindo com qualquer piada inepta. Era eu na minha juventude, era eu sendo eu só que vinte anos mais nova. Hoje me olho no espelho e vejo minhas rugas mais aparentes e abrangentes, meu rosto já não é mais o mesmo, tampouco meu jeito. Continuo fumando maços de cigarro, meus pulmões certamente mudaram com o tempo. Nem sequer consigo subir uma ladeira. Ah! A juventude, como ela é nostálgica.
Tenho uma mania de guardar tralhas, objetos obsoletos, roupas que não servem mais, somente para sentir o cheiro e lembrar de momentos que não voltam mais. Minha memória olfativa é ótima, já a mental está sofrendo com o tempo. Sinto-me mais velha do que nunca. Abro a gaveta das tralhas e começo a revirá-la. Encontro aquela carta do meu primeiro namorado da escola. Leio dando risada, o amor era tão deleitante naquela época, experimentei de tantas fragrâncias. Quantos homens já rolaram em minha cama? Nem me pergunte, não tenho nem ideia. Provei dos mais loucos amores, mais loucos homens que possa imaginar. Fiz sexo com amor e sem amor, já fiz até sexo sem vontade e desprezível de prazer. Posso dizer que nesse aspecto aproveitei bem a minha vida. Só não consegui aproveitá-la de uma maneira que me opusesse à certos sentimentos, pois nunca consegui manter uma relação pulcra de amor. Sempre fui aquela menina decidida e de personalidade forte, quase nenhum homem aguentava a pressão que eu tornava a vida deles. Mas não era por mal, aquele era o meu jeito de amar.
Lembro-me de um episódio de um namoradinho meu da graduação que falou com grande convicção: "-Tu consegues ser a mais bela gentil das mulheres, seduzindo e exalando fascínio por onde andas, mas ao mesmo tempo consegues ser a pior das mulheres quando veste a máscara irascível tornando qualquer momento colérico e desgastante para mostrar, unicamente por bel-prazer, teu temperamento forte e difícil de lidar". Quando acabou de falar com um tom doce e melódico essas fortes palavras, aquilo me comoveu de uma certa forma negativamente, que apenas virei de costas para ele e falei: "-Então corre de mim, traste!" Dito e feito. Foi o que aconteceu. O elegante homem e de família granfina virou-se as costas também para mim e nunca mais o vi e nem tive notícias. Meus amores eram feitos de ardor e fogo, mas ao mesmo tempo trágicos. Digamos que, tempestuosos.
Com meu emprego maçante e fastio, vivo uma rotina corrida de dois empregos sem horário para descanso. Ser dona de casa também cansa, é um emprego importuno e sem retorno financeiro, apenas doloroso e desgastante. Sinto minha coluna travada toda vez que resolvo passar a vassoura na minha imensa sala de 25 m². Conto o tempo apreensiva de quando vou poder me aposentar. Hoje me vejo deitada na cama, porém bem mais parada do que antigamente, só eu deito nela, não tenho o calor de alguém para compartilhar com o meu no frio e não sinto o suor de alguém no calor. Vejo o quanto me arrependo de ter sido tão indelicada e estulta para o amor. Recebi-os tantas vezes, mas deixei-os passar com tanta facilidade, como uma areia que se esfarela no meio de seus dedos e desaparece com facilidade. O que dizer dos geniosos? O que dizer de mim mesma se não a colheita de minha sofreguidão? Teriam padecimento de mim? Hoje os meus casos selvagens viraram amenos, repousados. É como um animal feroz em seu maior momento de plenitude da vida. É insólito. Vejo-me em meu gato, a sua palidez conforme seus movimentos suspeitos e obscuros. Sempre pensando em cada passo e calculando cada metro quadrado. Sou assim, calculei tanto e veja onde eu parei. Em uma casa pequena com uma vida remota e singular. Os plurais já não cabem mais em mim. Descobri que o amor não cabe e nunca coube em mim. Sou como uma forasteira no assunto, de tantas e inúmeras experiências, não aprendi nada. E aqui vivo desamparada sem o direito de desfrutar de prazeres que antes eu não os suplicaria tanto por tê-los fáceis em minhas mãos, mas hoje, na situação em que estou, pensaria duas vezes em mandá-los para longe. Suplicar-lo-eis. Quem sabe não os encontro no resto dos meus trinta seguintes anos, trazendo o desfecho do comentário do texto de minha vida que tanto procurei.