Ah, as memórias. Cheguei no fulcro, o qual eu
queria pautar. Elas se tornam tão vagas com o tempo... Eu me resto
deitado em uma poltrona durante a manhã inteira observando a janela e o
frescor que a luz do dia me traz, é como se eu estivesse relembrando de
todas as manhãs loucas, corridas, prazeirosas que tive em minha vida. A
vida passa tão depressa que as vezes nem tenho um tempo sequer para
ficar observando essa beleza que é a natureza. A arte fala por si só e a
natureza não fica atrás.
É tão engraçado, estava no banheiro esses dias me olhando no espelho e
me ocorreu o seguinte pensamento: nós temos as memórias guardadas com a
gente, mas elas se tornam tão distante de nós a cada ano que vivemos...
Lembro-me de minha adolescência que eu vivia tudo a cada mísero segundo e
eu lembrava de tudo de uma forma tão clara e concreta, era algo do
tipo: se eu quisesse retomar àquilo era simplesmente voltar atrás e
pegar de volta que tudo vinha à tona e se materializava, tão fácil.
Agora cá estou eu sentado nesta minha velha poltrona barulhenta
cheirando a xixi de gato (esse preguiçoso não me escapa da próxima!)
relembrando de tudo o que aconteceu naquela época de uma forma tão
distante, não é mais daquela maneira coesa, hoje é abstrato. Não lembro
de detalhes e nem de fatos que talvez, em dado momento da época, foram
importantes para mim. Isso tudo é tão vago, eu gostaria de ser menos
vago. Eu poderia ser preenchido por alguma coisa que eu não sei. As
vezes sinto que não aproveitei minha vida como eu deveria. Pausa. Vou
acender meu cigarro.
*
Beleza, voltemos, desculpe-me leitor,
eu tenho meus vícios.
Olha, talvez eu nem me lembre de quantos maços eu fumei agora no futuro.
Pode ser fútil e supérfluo, porém é insinuante e excitante poder
lembrar de algo que te dá prazer. É estranho, eu só queria poder lembrar
de tudo com a mesma essência de antes. Hoje em dia eu só lembro do que
eu vivo, o que eu ja vivi se foi com o vento, com o tempo... Eu queria
reconstruí-los, mas o trabalho é minucioso.
Sim, eu me recordo das vezes que sentei em frente desta janela, mas não
lembro dos detalhes. Não lembro se estava frio ou calor, se eu estava
triste ou feliz, se eu esperava por alguém ou por um telefonema, se eu
estava olhando a vizinha do 43 passar (ela era bem gostosa, eu me lembro
muito bem). Estranho. Essas recordações podem ser ambíguas e irreais
também, uma vez que eu posso criar um destino para elas, como se fosse
um conto de ficção, posso não lembrar do final, entretanto, posso
vivenciar uma ideia, uma ilusão. Algumas coisas se tornam vagas e
abstratas, será que eu por si só sou um ser abstrato? É de se pensar.
Talvez eu nem vou lembrar disso amanhã ou depois, pareço só viver o
momento... e o antes, ah, ele se torna tão distante... Um pássaro que
voa cada vez mais longe de seu ninho, como eu queria capturá-lo e
guardá-lo em um viveiro. Ah, como eu queria. Eis que é possível? Peço
licença leitor, de repente nem me lembrarei de seu nome. Já antecipo as
minhas sinceras desculpas, mas, o real motivo é que a vida corre e com
ela anda-se de mãos dadas as memórias que de vagas se tornam tão
inconstantes...