quarta-feira, 20 de agosto de 2014

lágrimas líricas de um resumo encalhado

Era uma segunda-feira chuvosa e fria. Acordei tarde como sempre, sou dessas que troca o dia pela noite. Logo fui ao banheiro e me olhei no espelho com despeito. Olhava com rapidez para não ter que ver as leves olheiras, ou os traços marcantes que ressaltavam o meu estado emocional. Eu já não era a mesma faz tempo e eu estava empurrando a vida com a barriga. Dizem que o céu é o limite, o meu era ter de viver e acordar todos os dias com aquela repulsa eterna de algo incurável. Ainda no banheiro, vi um frasco de remédio na prateleira e curiosamente li as precauções, eram tantas que perdi a conta. Como um remédio que é para a cura possa ter tantas precauções? Estranho. Coloquei de volta e fiquei pensativa. Logo voltei ao meu quarto e fiz uma alusão sem fim daquela medicação. A vida poderia ter também uma bula com o modo de uso e, principalmente as precauções. Pelo menos eu me livraria de certas situações antes de mergulhar de cabeça naquilo. Eu fiquei imaginando e imaginando dezenas de acontecimentos passados da minha vida em que na hora que eu iria fazer tal ato uma tela piscando vermelha com letras garrafais diziam como se tivesse gritando para mim: "ADVERTÊNCIA: MELHOR VOCÊ NÃO FAZER ISSO!!!". Seria uma ótima maneira de precaução. Depois apareceria uma outra tela em que perguntaria se você tem certeza de continuar com aquilo ou não, reforçando o que poderá acontecer, como um sistema de computador, sabe? É louco, eu sei. Mas eu sou louca, eu viajo e eu sou uma pessoa que precisa muito de alguém ou algo superior a mim que me guiasse e me precavesse de tudo que poderia me causar o malefício. Enfim. Minhas rotinas eram essas, muitas vezes ficar me perguntando o por que de algumas coisas e o (des)por que delas. Virando ao avesso toda a minha vida para encontrar alguma solução cabível e completamente adequada para mim. Quero encontrar por mim mesma, porém sou meio perdida. Não sei administrar bem as coisas, tampouco lembro o que eu comi no almoço ontem. 
Era uma terça-feira e continuava frio. Esse dia acordei pior que o normal, comecei a pensar que eu estava com uma espécie rara de doença que ia me matando aos poucos. As vezes eu queria que isso acontecesse de verdade. É duro eu admitir isso, mas eu queria. A minha amargura era tremenda que eu não me aguentava em pé, só pensava em dormir e dormir e dormir. O sono era incansável e não saía do meu corpo. Eu agradecia por isso até porque o tempo passaria mais depressa e eu não teria que encarar alguns fatos da vida. A fantasia era o suficiente para mim. Só de eu sonhar com algo que me fazia bem e me dava boas lembranças eu já me sentia confortável. Só que passa. Tudo passa. Minhas lágrimas descem tão devagar.... meu rosto é ainda tão liso em uma pele tão seca, que as lágrimas inundem e invadem. São evasivas e acabam deixando como uma pele fértil, como se fosse a chuva mais esperada do sertão mais árido e ressacado de todos. Trazem esperança consigo, mas passageiras. Trazem dor. É uma faca bem pontuda te desafiando todo o tempo e você perdendo a maioria das vezes. Ninguém gosta de sentir dor, eu muito menos. Continuei o meu dia vazio como uma alma vazia perambulando o mundo sem nenhum sequer destino. Espera aí, o que eu estou fazendo aqui mesmo?
Era uma quarta-feira, não me lembro do tempo, mas provavelmente estava frio. Frio é sinônimo de "alguma-coisa-ruim-para-VOCÊ-vai-acontecer". As coisas ruins aconteciam para mim, eu pisava em falso a todo momento. Lembro-me desse dia eu ter me comparado como uma bêbada equilibrista, foi como se Deus me enviasse ao mundo como uma eterna bêbada andando e caindo, colocasse vários buracos e armadilhas para eu passar e eu falhando em todas. Engraçado. Talvez. Mas eu não conseguia rir. Olhava-me no espelho e só conseguia ver os meus defeitos, o que há de mais pessimista em mim tornava-se expressivamente aguçado quando eu tentava me olhar no espelho. Minha imagem era debilitada e dificilmente conseguia sentir algo por mim. Estava cansada. Ter uma boa autoestima nunca foi o meu forte. 
Quinta-feira. Eu estava lá, vivendo. Com medo de acordar todos os dias, com aquele sentimento: O que mais de ruim vai acontecer hoje? O que mais vou ter que enfrentar e ser forte? Minha maquiagem estava intacta, até o momento de me sentir a pior pessoa do mundo de novo e ter recaídas de algo que não quero mais. A abstinência é o ponto mais crucial e trágico de alguém, e não seria diferente comigo. Eu chorei tanto esse dia que minhas lágrimas saíram pretas, era minha maquiagem se desestabilizando. A máscara havia caido. Mas será que essas lágrimas escuras e pretas não seriam nada mais e nada menos que a tradução do que eu estava sentindo por dentro? Sim. Eu estava daquele jeito, eu era daquele jeito. Cada lágrima que descia deixava um rastro reto e intacto no meu rosto, mesmo se eu limpasse com água fresca aquilo não saía, uma mancha eterna. Mas que droga! Eu só queria estar bem e voltar a me encontrar de novo.
Sexta-feira, nada de novo. Fim de semana, idem. Costumo beber e passar o tempo-que-nunca-passa. Estou esperando ainda a banda passar, como diria Chico Buarque. São tantas perguntas que eu me faço que eu não sei por que continuo as fazendo. Por que as pessoas insistem em fazer o pior comigo? Por que insistem em me desafiar a todo momento? Ou melhor, por que as pessoas escondem sentimentos? A ditadura do sentimento é a pior repressão de um ser humano. Por que existem pessoas que lutam contra um afeto a ponto do orgulho ser mais importante do que um simples gesto de afeição e envolvimento? Ou eu sou sentimental demais para esse mundo ou então os outros é que estão errados... Só sei que se estiverem certos, eu não vou fazer parte dessa porcentagem. Alguns gestos e atitudes machucam mais que um tiro na nuca — o que seria a coisa mais fácil e rápida a se fazer no momento, porém não —. Tudo o que eu queria era conseguir refazer algo, começar tudo de novo. Não me reprimem! Não reprimem a si mesmos. A vida é muito curta para isso... Paixões teremos o tempo todo, assim como apatias. Mas amores... Ah, esses só  vai existir um.
Esse resumo foi apenas um excerto bem breve de como é minha vida. Vocês me perguntam se melhorou algo..... Não. Queria até poder escrever nestas linhas rasuradas de caneta azul com tantos erros, algo diferente, algum acontecimento bom. Por enquanto não há, a banda não passa. "A moça feia debruçou na janela pensando que a banda tocava para ela". Só ilusão. Nunca iria acontecer isso. Os resumos da minha semana ficarão encalhados na última gaveta desta escrivaninha criando teias de aranha com páginas amareladas e caneta desbotada. O mundo dá voltas, pena que o meu está com problema na órbita. Talvez uma órbita parabólica, como diria Isaac Newton, em que está parado no ponto mais ignóbil de um sistema. Enquanto ainda não criam uma fórmula física para desencalhar o meu mundo, eu continuo a descativar as lágrimas obscuras do meu interior, quieta e no meu canto. Ninguém pode saber disso. Minha fragilidade é só minha e ninguém mais precisa saber disso. É isso, acabei de criar a minha própria precaução. E agora chegou o momento, um poema de Cecília Meireles pede para ser lido, deixe-me pegar um copo de whisky.....
"Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontem...
Não queirais ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens. 
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queirais marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.

É a tua eternidade...
É a tua eternidade.
És tu."