Eu o observava de longe, mas não falava nada. Só observava.
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Ele era deprimido. Abria aquela gaveta toda noite antes de dormir e tomava um comprimido azul. Logo dormia. Quando não tinha, eu o via perambulando pelo quarto como um sonâmbulo sem nem saber o que está fazendo na terra. Perambulava e perambulava, coçava a cabeça e de vez em quando olhava para o teto e respirava fundo. Eu tinha muita vontade de saber o que se passava em sua mente. O quarto era um cenário ermo e misterioso com luzes amareladas bem gastas, as vezes falhava e fazia barulhos como se quisessem queimar, as paredes eram descascadas e com uns rabiscos de giz de cera, provavelmente fora seu querido sobrinho. Não havia nada de extraordinário em seu quarto, não conseguia enxergar um objeto de distração que pudesse fazê-lo dar um sorriso. Nunca nem se quer vi os dentes dele. Sempre que conversava no telefone era com um tom de voz baixo, meio tímido e intimista. Pelo visto o telefone não era um objeto de seu interesse. A única coisa visível era seus livros de capas amassadas e desgastadas em seu único e minúsculo criado-mudo no canto do dormitório, provavelmente lá se encontrava textos de Goethe, Tolstói e Shakespeare.
O que eu via? Via um ser solitário e doloroso. Sentia alguma dor interna ou externa - quiçá as duas, ninguém sabe - por isso tomava aqueles comprimidos azuis. Sua rotina era normal, trabalho e casa. Os fins de semana se resumiam em pizza e cerveja. Sozinho. Notei que de vez em quando apenas sua irmã com seu sobrinho vinham lhe fazer uma visita. Realmente a vida deste rapaz não era nada agradável e saudável. Confesso até que já o vi chorar algumas vezes deitado como um corcunda com frio em sua cama barulhenta e enferrujada. Triste. Pensando bem essa é a palavra que o resumia.
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Certa vez me distrai por uns dias, pois eu tinha que cuidar da minha vida também, resolver umas pendências, logo me descuidei do rapaz. Quando parti para observá-lo novamente, percebi que aquela alma já não estava mais lá. O corpo era como se tivesse necrosado de tristeza, desilusão e sofrimento - que eu não sei de quê -. Doeu. A primeira coisa que eu tive em mente foi: "Liberdade". Não sabia se ficava feliz ou triste com a situação. Afinal, o sentimento de liberdade é algo bom e saudável para alguém! Mostra que é independente em suas opiniões e vontades. Sabe o que quer e o que não quer, pulso firme. Mas, e para aquele rapaz? Será que era bom? Os dias para o jovem passava tão demorado que muitas das vezes até eu ficava entediado. Nada acontecia, era uma mesmice sem fim. Talvez se eu mesmo tivesse uma vida dessas, iria querer encontrar o portão da liberdade o mais rápido possível. Cada lágrima que ele chorava podia (e devia) significar algo. Dizem que as lágrimas são somente a tradução do que estamos sentindo por dentro. Além do mais, o que me parecia quando eu o observava era que ele vivia em uma constante panela de pressão. Ansioso e depressivo, os seus sapatos eram desgastados de tanto que perambulava sem destino por ruas estreitas e sem saídas. Era difícil falar de si mesmo, a única vez que eu o ouvi falando foi algo mais ou menos assim: "a obrigação de viver é que me mata!".
Enfim, quando entrei naquele quarto novamente senti uma sensação pesada e desconfortante. Não queria ficar lá nem mais um minuto. Aquilo me deixou com náuseas e me causou um rebuliço interno só de pensar na linha digressiva da vida do rapaz e do que pudera ter acontecido. Saí esmorecido e quando dei de mim já estava há dois quarteirões longe daquela casa. Parei por um momento em uma rua para respirar e tentar entender porquê a vida de algumas pessoas é tão ingrata e inconsequente. Encostei-me em um carro parado e calmamente ia respirando para que meus pensamentos voltassem ao lugar. Quando finalmente retornei ao meu estado de espírito, coloquei friamente minhas mãos na cabeça em um tom reflexivo e logo cheguei a conclusão de que o sofrimento é algo que nos mata, se não nos mata, nos enfraquece. E, infelizmente, disso nós não temos nenhum comprimido azul que cure ou que nos faça esquecermos.