o fluxo
imagina assim
algo correndo em suas veias
pela corrente sanguínea
ultrapassando seu corpo todo
e você sentindo isso
sem poder fazer nada
não sabe se é nocivo
se é algo bom
você só sente
e você gosta do que sente
é quente
arde as vezes
te cora o rosto
resseca os lábios...
você morde eles
passa a língua
umedece
olha ao redor
sente um leve calor
não sabe se está confortável ou não
coloca os dedos na camiseta e abana discretamente
como se fosse surtir efeito
e sentir o calor sumir
não some
você senta:
algo em mim precisa ser revelado
eu preciso falar
eu quero falar
sensação estranha
olho pro céu e vejo muitas estrelas
parece me observarem
algumas brilham mais que as outras
o que isso quer dizer?
nada
eu sou cética
não tanto assim
eu acredito que existe um propósito
seria o fluxo da vida na minha corrente sanguínea?
me entorpece
me sinto embriagada por algo que não sei
você já se imaginou assim?
e aí você sente um leve desmaio
mas você sabe que não desmaiou
parece que tudo parou por um segundo
eu desarmo...
*
eu te vejo
não sei explicar
existe um bloqueio
totalmente diferente do que meu corpo diz
.meu.corpo.quer.
diálogos moderados
diálogos infundáveis
por que é tão difícil?
o que de fato é a vida? amar, odiar, viver, morrer, sentir?
por que sentimos?
no meio de tanto atrito pela razão e pelo sentir
no que me deixo levar?
desse sangue que percorre todo centímetro do meu corpo
deságua no meio das minhas pernas
como um líquido floral de nenúfar
em um misto de crisântemo vermelho
como o final de um rio
ou seria o começo de um?
não hesito...
me inundo nele
acho que tenho uma brisa boa pra me orgulhar
já parou pra se perguntar:
se qualquer deus existisse e te encontrasse agora
o que você perguntaria à ele?
a energia que sinto é única
é controversa
polêmica
revogada em um dilema
que machuca
é uma entorpecente dúvida
é carregada de vicissitude
continuo ou não?
você está me vendo ou não?
me desnudo no rio
sinto algo que ainda não sei o que é
olho pros meus braços, pras minhas mãos
vejo as veias azuis pulsantes gritarem
luminosas, fluorescentes
elas querem rasgar a minha pele
mensagens do universo pra mim
absorvidas em um trajeto dentro do meu corpo
escondidas em minhas veias oxigenadas
você me observa, dá pra saber
só não sei se sou o que você quer observar
continuo desnuda e examino o meu corpo
algumas partes vermelhas do sangue
que transpassam marcas da completa ebriedade
me entreguei nela
me intensifiquei nela
me extasiei nela
nem pensei... eu sou assim
nítida que nem água de mar doce
selvagem que nem uma primitiva
é um misto
minha voz não sai
sinto fracas as minhas cordas vocais
e o sangue parece não percorrer no pescoço
eu queria te falar
mas não posso
sinto a pressão arterial subindo
muita concentração do sangue
te olho sentado como deus, tipo Poseidon
parece controlar a água do meu rio
você me observa com um olhar cruel
enquanto jogo água no meu rosto
tentando me recuperar
isso é a morte?
ou la petite mort?
seu olhar provoca o meu eu deslumbra
magnetiza uma chama interna
deixa quente
mas isso você não precisa saber
é um segredo meu
você parece querer uma tempestade
mas não tanto
só quer enfeitiçar, vive em um submundo
não sei o que significo nesse momento
talvez eu seja transparente como uma partícula de átomo
olho pro rio e vejo a água cristalina
meu reflexo reflete Éos
me encaro
você também me encara
e sorri sarcasticamente
eu sou a personificação do que eu deveria ser
eu sou algum nuance de algum brilho
que não encontrei
eu sou um ser estimulante
mas não estimulo quem eu ousar tentar
fecho os olhos e passo a mão no meu corpo
nem inundado em água eu sinto esfriar
continuo sentindo o fluxo como uma correnteza
me sinto entregue ao completo ninguém
imperceptível..... eu sou microscópica
ainda que eu me veja como uma notável
expoente do Ser
abro os olhos e me encontro ainda sentada
em que mundo divino eu resido?
é o mesmo que você?
a astrofísica do caos resulta em mim
e eu tenho um palácio soberano
que nesse mundo eu sou alguém
resplandescente celeste
que carrega sinais de Polímnia
e Melpomene
eu sou uma prazerosa trágica tragédia
da percepção
eu sou um desalinho sensorial
resolvo levantar,
eu penso: inacessível é o que você parece
algo imaterial e intangível
em uma realidade de estética
que o belo soa ser espiritual
Hegel concordaria comigo...
não existe nesse plano
talvez em outro.
antes de partir
deixo isso como uma tentativa sensível
da natureza humana
de um diálogo
cansei dos infundáveis
a realidade pela sensibilidade
daquele que nota....
....que percebe.