a secura não permite
a transparência do poeta
se o poeta não sente
como ele escreve?
se o artista não se inspira
como ele pinta?
a secura não permite
as rosas desabrocharem
depois de uma guerra
intensa
e interna
a secura é tão persistente
que uma gota d'água resiste
e se torna apenas uma gota
de enfeite
como aquelas rosas de plástico
vendidas para decoração
a secura não permite
a vontade de sentir e de viver
deixa em nuances de cinza
o que costumava ter tons fortes
de magenta
o poeta precisa da inundação do ser
da alma
da energia
da complexidade
da tenacidade
da clareza
do prazer
prazer aquele que mulher sente
quando sente...
quando se permite
quando não se há secura
impossibilitando o gozo da ternura límpida e ousada
quando não existem rosas murchas
em um jardim cheirando à lavanda
a secura...
não permite te conceber a lágrima
porque não sente
não permite te molhar em uma tempestade
tu sai ileso
porque não se sente
não se molha o que já está seco há tanto tempo
pois seca de novo
e de novo
e o molhado que vinha pra plantar
o jardim
secou rápido com o sol disfarçado de calor
aquele calor
que se costuma sentir
quando não se está preso
há uma secura eterna
secura essa que
não te permite
o molhado que tu esperas
vai secar de novo
não te iludas
nem crie expectativa com as chuvas
tão pouco com as tempestades
são passageiras
a secura não permite
e a areia movediça do detalhe
menos ainda