terça-feira, 21 de outubro de 2014

desabafo

Há muito tempo atrás eu conheci outro lado da minha vida. Um lado mais colorido, florido, encantador... Era uma fase em que eu não queria sair nunca mais, foi o capítulo da minha vida em que eu conheci tantas coisas boas que muitas das vezes nem sabia que ia sequer conhecer um dia.
Caro leitor, aqui começa um desabafo intenso e acumulado, o que eu vou dizer agora vem de um viés caloroso e ao mesmo tempo tempestuoso. Cansativo, porém sente-se, não quero que mais alguém canse de mim nesta vida.
A vida não é sempre o que queremos e isso tem um lado bom, ela não te ensina a ser mimado, ela te coloca em seu devido lugar querendo dizer: "espera aí, mocinha, as coisas não são bem assim!" Realmente, eu provei disso da pior maneira possível e óbvio que continuo provando do ardor seco e frio que me contém e me consome.
Um pouco da minha vida talvez faça você, leitor, conhecer um pouco mais de mim. Meu nome é Sophia, nasci nos anos noventa, mais precisamente em 1993, naquela época em que tudo era novo, muita coisa acontecendo, tudo era colorido e ultra pop. Pois então, nasci. A partir daí creio que cheguei no mundo por algum motivo, não descobri ainda, porém acredito. Foram exatamente às 15h10min de um domingo, ou seja, pode ser que o tédio seja o meu segundo sobrenome, o que a época dava de interessante, o "boom" extraordinário do momento talvez não tenha servido de nada para mim.
Voltemos à atualidade. Hoje tenho 21 anos e ainda não me graduei, até o meu curso consideram como "tédio". Concordo em partes. Mas o que eu quero dizer com isso tudo? Quero introduzir a um lance atípico que aconteceu comigo. Conheci alguém. Me rendi e me entreguei. Foi assim, interessante, intenso (tudo com -in), químico, físico, matemático, artístico, filosófico, enfim. Foi de corpo e alma. As coisas acontecem quando você não tem nenhum por que de explicá-las... É esquisito. Parece-me que um dia tudo foi premeditado por alguém e você apenas seguiu o inexplicável. É algo de outro mundo, outra dimensão, outras vidas... Desde a barriga de sua mãe você não sabia que ia encontrar "x" ou "y" pessoa, mas encontraria e daria um resultado dessas incógnitas. O meu deu um resultado infortuno, incerto, incorrigível (de novo, tudo com -in). Nem os maiores gênios explicariam. Enfim, não citarei tudo detalhadamente, apenas aquilo que se começa em vida tem um fim, inclusive a própria vida. Desde então, minhas rotinas viraram um inferno, um estorvo, algo como: eu só vivo porque tenho de viver, só respiro porque meu sistema respiratório está intacto, mesmo com alguns cigarros de vez em quando. E assim eu corro todo dia, corro contra o que eu não quero ver, sentir, luto para isso. Sou uma militante eterna contra o que eu não quero. E aí, caro leitor, te coloco como sendo a pessoa mais importante da minha vida, aquela que eu mais dei de mim... Posso ter cometido erros? Mas é claro, é clichê, mas ninguém nunca e será perfeito. Te vejo com alguém além de mim, te vejo me colocando de lado mais uma vez, te vejo me ignorando como alguém que nunca conheceu. Te vejo disperso, te vejo e não te vejo, mas sinto o descaso. 
E então, eu continuo sentada na cama do meu quarto, com minhas mãos no rosto, meus pés a poucos centímetros do chão, balançando procurando a calma e as luzes apagadas, muitas das vezes chorando pelas eternas e profundas consequências de amar puramente e verdadeiramente. Mas, quem se importa? Quantas das vezes saí do banho com o rosto inchado? O meu momento era aquele e único tempo, mesmo que mínimo, para colocar para fora e fazer da água do chuveiro, lágrimas.
Te vejo fazendo as coisas com outra pessoa, te vejo apaixonado, te vejo sorrindo, te vejo se declarando. Mas não pra mim, te vejo telefonando, confidenciando coisas que só eu sabia, te vejo íntimo e mais distante de mim. A minha alma percorre becos e quartos quadrados, sempre perdida, sempre cinzenta. A vida definitivamente não passa para mim, eu realmente não sei nem mais o que desabafar. As minhas distrações são tão vazias, tão rápidas... O ponteiro do relógio não muda, só ouço o "tic tac". Enquanto isso te vejo namorando, casando, tendo filhos, fazendo sucesso como profissional, viajando, amando, se descobrindo e... me esquecendo. Espera aí, quem é essa menina mesmo? Algum dia já tivemos algo?
Leitor, o medo do esquecimento é inevitável, a vida nos torna escravo dela e do paraíso do qual eu queria voltar, só que nunca mais terei de novo. Outros jardins virão, mas nunca mais àquele jardim. Algumas coisas marcam... Marcam como uma peça de teatro inesquecível, ou como uma opera das mais belas e emocionantes. Te vejo indo embora e me dando as costas como sempre fez para mim. Quantas vezes esperei uma ligação ou uma palavra sua? Antes de partir, qual foi o meu problema? Onde foi que eu errei? Por que não fui boa o suficiente para você? Talvez a consequência do domingo venha agora, e o tédio seja um adjetivo, uma característica literalmente, nata. Pode ser que eu seja muito monótoma e desagradável para você. Infelizmente, tentei o meu melhor. Eu tentei. Talvez, nós dois demos errados porque na verdade damos muito certo.
Leitor, pego em suas mãos neste momento e sinta o meu tremor e minhas mãos frias. Meu desabafo é verdadeiro de uma história de (des)amor verdadeira. Não deve ter nada de amor nisso, pelo menos foi o que eu senti com esse triste fim. Agora você está aí, encontrou alguém que me substituísse, pelo menos não deve ter nascido em um domingo, pelo menos mais legal e interessante deve ser, pelo menos mais interessante para sua família do que eu, pelo menos mora mais perto da sua casa do que eu, pelo menos cursa o mesmo que você.
Limpo minhas lágrimas que já inundou a minha folha inteira e me viro de cara para vida. O que eu farei agora? Meu desabafo é sem fim, eu gostaria de dá-lo um desfecho, algo feliz. Quem sabe isso não tenha uma continuação.
Sinto em te dizer, meu querido leitor, mas devo me despedir. Termino esse desabafo como uma medrosa covarde com medo do futuro, me olho no espelho e imploro para não vir mais alguma onda destruidora. Talvez, leitor, você não saiba. Mas eu te amei incondicionalmente, e um desabafo qualquer não explicaria tudo isso. Já dizia Álvares de Azevedo: "foi poeta, sonhou e amou em vida". Se por acaso procurarem por mim, diga que o meu sumiço é porque estou me protegendo. Agora, adeus, meu elo e sintonia com você continuará vivo, porém em outros cantos do universo. 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

lembranças de morrer


Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas.
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei. que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores.
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo.
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.


Álvares de Azevedo

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

crônica de um professor

Fui professor durante toda a minha vida e trombei nesse longo período de 78 anos com pessoas que desacreditavam em mim e em minha profissão. Muitas delas me perguntaram o motivo de eu ter escolhido esse trabalho de pouco valor e prestígio, a minha resposta sempre era a mesma: "Eu não escolhi, eu precisei dela". Desta maneira, não posso relatar algo sobre o assunto sem citar o sentimentalismo ou o humanismo envolvente. Ter essa profissão é mais do que um salário - mesmo que mísero - no bolso, é mais do que uma lousa e um giz, um pedaço de papel e canetas vermelhas. É ser humanista, é enxergar além e ir além, é descobrir limites - seus e dos outros - é também redescobrir e filtrar-se em um meio desconhecido. Os horizontes para um professor são tão infinitos que muitas das vezes até eu já me perdi. Um professor não trabalha sozinho, porém ele tem de dar conta sozinho.
Já trabalhei em outras funções em minha vida, mas foi com a carreira de professor que minha carteira de trabalho lotou-se. Chega até ser engraçado, mas eu nunca cheguei perto da sensação enquanto professor, justamente por ser uma profissão que não é igual às outras, em suas peculiaridades, ela é flexível e maleável. Não existe rotina, afinal, é muita gente querendo mais, descobrindo mais, soa como um: "Mom! I wanna grow up". Eu defendo que em toda profissão haja amor, entretanto, defendo que a minha vai além disso, é um amor com uma pitada diferente de algo especial. A sensação é a mesma que surreal, neste caso, eu digo até ficcional, porém, uma ficção que se encaixa bem à realidade. É uma profissão da verdade crua e estampada, ou você faz ou você não faz. Desafios contínuos, discretos ou não... mas, desafios e em consequência destes, existem as decisões, das quais muitas das vezes elas que te escolhem.
Eu posso passar o dia inteiro ensinando - e o fazia muito bem -. É como se eu tivesse bebendo cerveja com meus amigos em um boteco do centro. O vinho e o champanhe eu deixo para os resultados. Sobre as ondas contrárias que encaramos, sob a óptica negativa dos que (não são) corajosos, lá estão eles, certamente com um livro embaixo do braço... e, a cada vez que eu entrava em uma sala de aula era uma sensação diferente, algo como prazer e excitação. Como eu já estou velho, mal me recordo de todos os meus alunos, quiçá alguns nomes. Eu costumava anotar todos em uma caderneta de capa dura com rabiscos em caneta bem vermelha para que eu nunca os esquecesse. Pois bem, os aprendizes de pequenas salas com um ou mais ventiladores pifados, cadeiras enferrujadas, barulhentas e mesas pichadas, tornaram-se grandes médicos, engenheiros, filósofos, advogados, músicos, etc......
Outro tópico importante que é preciso mencionar aqui é a arte, impossível deixar de citá-la. O ensinamento é uma arte passional que nos deixa encantados e viciados. Você é o artista e os alunos são a inspiração. Ser professor não é só receber uma simples maçã como forma de gratidão. É como o grande artista René Magritte quando retratou: ceci n'est pas une pipe. A metáfora mais sublime e amável em um simples gesto e símbolo. Ceci n'est pas une pomme. É mais do que isso, a maçã é a prova de que meu trabalho deu certo para alguém. É o símbolo de algo extremamente excitante e gratificante, pode ser - e é - que seja amor. Não há dúvidas de que grandes professores fazem grandes alunos que no futuro serão cidadãos e trabalhadores, porém, o mais importante: serão grandes humanos. 
Pronto, acho que desvendei a verdadeira face e diferença da minha profissão para as demais outras. Ela atravessa barreiras da formalidade e se aprofunda na intimidade, ela consegue desviar olhares, criar seres pensantes de opiniões que podem - e devem - mudar o mundo e a sociedade, mais além, humaniza-os.
Arritmia, isso é o nome do que acontece comigo quando eu lembro a direção certa que escolhi para minha vida. Uma sensação de euforia pelo novo e um amor intenso e profundo que descarrega toda a sua carga de forma inconsciente em meu coração, que agora é fraco. Definitivamente eu não errei, não ouvi os covardes. Apenas enfrentei.
Hoje sou aposentado, mas tento manter sempre em mente o quão útil eu fui na vida das pessoas que só tinham uma semente plantada dentro de si. Eu ajudei a crescer, hoje são belas e ricas flores. Matam-me de prazer. Ótimos perfumes que exalam por todos os cantos do mundo.
Eu... definitivamente não errei.