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1985
1985
E então ela disse:
- O sol vai nascer. Por que você não senta do meu lado?
Enquanto ela dizia, eu estava em pé terminando de pegar meus pertences na moto. Virei-me e olhei para ela. A imagem era perfeita. Eu realmente fiquei esmorecido com aquele cenário meio escuro dando um contraste laranja, tornando-se dia. Um vento de leve esvoaçava os cabelos dela me trazendo uma brisa de paz. Seus lábios doces e avermelhados dizendo para que eu me sentasse ao lado dela... Ah! Aquilo certamente foi uma das coisas mais belas que eu já vi. Como resistir a um pedido desses de uma garota tão serena. Foi então que respondi meio sem jeito:
- Estou aqui, querida. Com certeza esta paisagem ficou mais bonita com você do meu lado.
Bastou esta frase para que ela se virasse para mim tímida tampando seus cabelos longos em sua face já bronzeada pelo alaranjado do sol nascente. Deu para notar a clareza de sua timidez. Suas bochechas estavam rosadas, uma cor saudável em uma tez maravilhosamente perfeita. Respondeu:
- Pode tirar uma foto para mim? Você é um fotógrafo nato. Sabe capturar os meus melhores ângulos.
Neste momento eu já estava concordando com tudo o que ela falava. Nem prestava mais atenção, apenas concordava. Logo tirei a foto com a sua Nikon de modelo F3.
Brevemente, depois deste expressivo nascer do sol, subimos na moto e pegamos a estrada de volta para a cidade. Ao mesmo tempo que eu acelerava a velocidade, eu queria diminuir para que o tempo durasse o infinito. Ela, sentada na minha garupa, robusta e atenciosa, prestava atenção em todo o momento em que a velocidade ultrapassava do esperado. Toda vez que ela se sentia em perigo, abraçava-me com força. Eu sentia seus dedos e suas mãos espalhadas pelo meu peito como sinal de segurança. Cada gesto simples dela, transparecia seu amor carnal e ardente. Então ela disse sussurrando nos meus ouvidos:
- Não vá muito rápido. Você sabe que essas estradas têm buracos e são perigosas.
Com certeza ela estava certa. Diminui a velocidade e agradeci sozinho pelo momento interminável.
Ao chegar na cidade, deixei-a em casa e parti, com muito bom humor, para a minha. Mas antes ainda tinha o dever de revelar as fotos.
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1992
Minha rotina era comum. Cheguei em casa, porém era inevitável que o meu dia estava ocorrendo bem. Deitei-me na minha macia cama e peguei meu antigo álbum de fotos. Vi conseguinte a sua foto estampada em minha galeria. Notei o quanto eu me tornava feio do lado dela. Fiquei olhando para aquela foto durante uns minutos, vi cada detalhe. Fiquei imaginando como tinha sido esse dia. Algumas lágrimas caíram em progressão.
De repente ouço o barulho da porta do meu quarto bater, limpo rapidamente as lágrimas para que não haja vestígios. Respondo:
- Pode entrar!
Era a minha esposa. Também era linda e doce.
- Nossa, nem vi você chegar hoje do trabalho! - se aproximou de mim sorrindo e me deu um beijo. - Por que não veio até mim? Sabe que gosto de tirar sua gravata quando chega. - deitou-se do meu lado na cama.
Eu claramente estava triste e nostálgico, mas não queria transparecer. A mulher da minha vida era a que estava presente em carne e osso comigo. Eu não poderia deixá-la machucada. Respondi com um sorriso malicioso:
- Eu sei. Vim direto para o quarto, hoje quero que você tire minha gravata na cama. Não quis esperar nenhum momento. Aliás, por que ainda está de roupa?
Logo, fizemos muitas loucuras. Foi excitante, foi prazeroso. Não tenho o que reclamar. Quando terminamos, ela apenas se virou e dormiu. Creio que estava cansada.
No outro dia, levantei-me para trabalhar. Dei um beijo em sua testa, peguei um café e acendi meu cigarro. Estava atrasado, então li as notícias do jornal dentro do carro. Deparei-me com uma enorme e extensa manchete: "CONCLUÍDO O CASO DA MENINA DO NASCER DO SOL". Alarmado, comecei a ler a notícia afim de descobrir a causa do crime. Naquele mesmo momento, um filme havia passado na minha cabeça, eu tinha me dado conta que a minha menina havia morrido há sete anos. Depois que a deixei em casa naquele dia do nascer do sol, nunca mais tive notícias. Procurei-a por todos os cantos. Eu era um adolescente teimoso que queria sua namorada de volta. Lembro-me que foi um período conturbado em minha vida, os policiais ficavam na minha cola o tempo todo achando que eu era o assassino. Equivocados. Meu amor era tão grande por aquela garota que era mais fácil eu me matar por ela. Crime passional em mim mesmo.
Diante de toda aquela confusão de sentimentos, fui para o trabalho e me tranquei na sala. Chorei, chorei e chorei. Havia me dado conta que podiam se passar, dias, meses, anos. Mas eu ainda tinha o mesmo amor pela menina. Nunca fui capaz de deixar este passado trágico de lado. Nem mesmo consegui me desfazer das antigas fotos. As memórias da menina do nascer do sol ainda eram intactas no meu pensamento. Andavam comigo. Foi como um pôr do sol que nunca mais nascerá de novo. Nunca mais vi um nascer. Só tinha graça com ela.
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Agora, estou aqui velho. Meio caduco e acabado, porém com a memória viva. Escrevo em uma mesa apertada com um lápis semi apontado. Ainda estou casado, continuo fumando também. Tenho alguns problemas no pulmão. Mas ainda posso sentir a essência do perfume da menina do nascer. Minha eterna amante, minha eterna namorada. Nos vemos em breve.