domingo, 20 de julho de 2014

memórias de um nascer do sol

 *

 1985

E então ela disse:
- O sol vai nascer. Por que você não senta do meu lado?
Enquanto ela dizia, eu estava em pé terminando de pegar meus pertences na moto. Virei-me e olhei para ela. A imagem era perfeita. Eu realmente fiquei esmorecido com aquele cenário meio escuro dando um contraste laranja, tornando-se dia. Um vento de leve esvoaçava os cabelos dela me trazendo uma brisa de paz. Seus lábios doces e avermelhados dizendo para que eu me sentasse ao lado dela... Ah! Aquilo certamente foi uma das coisas mais belas que eu já vi. Como resistir a um pedido desses de uma garota tão serena. Foi então que respondi meio sem jeito:
- Estou aqui, querida. Com certeza esta paisagem ficou mais bonita com você do meu lado.
Bastou esta frase para que ela se virasse para mim tímida tampando seus cabelos longos em sua face já bronzeada pelo alaranjado do sol nascente. Deu para notar a clareza de sua timidez. Suas bochechas estavam rosadas, uma cor saudável em uma tez maravilhosamente perfeita. Respondeu:
- Pode tirar uma foto para mim? Você é um fotógrafo nato. Sabe capturar os meus melhores ângulos.
Neste momento eu já estava concordando com tudo o que ela falava. Nem prestava mais atenção, apenas concordava. Logo tirei a foto com a sua Nikon de modelo F3.
Brevemente, depois deste expressivo nascer do sol, subimos na moto e pegamos a estrada de volta para a cidade. Ao mesmo tempo que eu acelerava a velocidade, eu queria diminuir para que o tempo durasse o infinito. Ela, sentada na minha garupa, robusta e atenciosa, prestava atenção em todo o momento em que a velocidade ultrapassava do esperado. Toda vez que ela se sentia em perigo, abraçava-me com força. Eu sentia seus dedos e suas mãos espalhadas pelo meu peito como sinal de segurança. Cada gesto simples dela, transparecia seu amor carnal e ardente. Então ela disse sussurrando nos meus ouvidos:
- Não vá muito rápido. Você sabe que essas estradas têm buracos e são perigosas.
Com certeza ela estava certa. Diminui a velocidade e agradeci sozinho pelo momento interminável.
Ao chegar na cidade, deixei-a em casa e parti, com muito bom humor, para a minha. Mas antes ainda tinha o dever de revelar as fotos.

 *

1992
Minha rotina era comum. Cheguei em casa, porém era inevitável que o meu dia estava ocorrendo bem. Deitei-me na minha macia cama e peguei meu antigo álbum de fotos. Vi conseguinte a sua foto estampada em minha galeria. Notei o quanto eu me tornava feio do lado dela. Fiquei olhando para aquela foto durante uns minutos, vi cada detalhe. Fiquei imaginando como tinha sido esse dia. Algumas lágrimas caíram em progressão.
De repente ouço o barulho da porta do meu quarto bater, limpo rapidamente as lágrimas para que não haja vestígios. Respondo:
- Pode entrar!
Era a minha esposa. Também era linda e doce.
- Nossa, nem vi você chegar hoje do trabalho! - se aproximou de mim sorrindo e me deu um beijo. - Por que não veio até mim? Sabe que gosto de tirar sua gravata quando chega. - deitou-se do meu lado na cama.
Eu claramente estava triste e nostálgico, mas não queria transparecer. A mulher da minha vida era a que estava presente em carne e osso comigo. Eu não poderia deixá-la machucada. Respondi com um sorriso malicioso:
- Eu sei. Vim direto para o quarto, hoje quero que você tire minha gravata na cama. Não quis esperar nenhum momento. Aliás, por que ainda está de roupa?
Logo, fizemos muitas loucuras. Foi excitante, foi prazeroso. Não tenho o que reclamar. Quando terminamos, ela apenas se virou e dormiu. Creio que estava cansada.
No outro dia, levantei-me para trabalhar. Dei um beijo em sua testa, peguei um café e acendi meu cigarro. Estava atrasado, então li as notícias do jornal dentro do carro. Deparei-me com uma enorme e extensa manchete: "CONCLUÍDO O CASO DA MENINA DO NASCER DO SOL". Alarmado, comecei a ler a notícia afim de descobrir a causa do crime. Naquele mesmo momento, um filme havia passado na minha cabeça, eu tinha me dado conta que a minha menina havia morrido há sete anos. Depois que a deixei em casa naquele dia do nascer do sol, nunca mais tive notícias. Procurei-a por todos os cantos. Eu era um adolescente teimoso que queria sua namorada de volta. Lembro-me que foi um período conturbado em minha vida, os policiais ficavam na minha cola o tempo todo achando que eu era o assassino. Equivocados. Meu amor era tão grande por aquela garota que era mais fácil eu me matar por ela. Crime passional em mim mesmo.
Diante de toda aquela confusão de sentimentos, fui para o trabalho e me tranquei na sala. Chorei, chorei e chorei. Havia me dado conta que podiam se passar, dias, meses, anos. Mas eu ainda tinha o mesmo amor pela menina. Nunca fui capaz de deixar este passado trágico de lado. Nem mesmo consegui me desfazer das antigas fotos. As memórias da menina do nascer do sol ainda eram intactas no meu pensamento. Andavam comigo. Foi como um pôr do sol que nunca mais nascerá de novo. Nunca mais vi um nascer. Só tinha graça com ela.

*

Agora, estou aqui velho. Meio caduco e acabado, porém com a memória viva. Escrevo em uma mesa apertada com um lápis semi apontado. Ainda estou casado, continuo fumando também. Tenho alguns problemas no pulmão. Mas ainda posso sentir a essência do perfume da menina do nascer. Minha eterna amante, minha eterna namorada. Nos vemos em breve.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

o tempo

tem.po
sm (lat tempu) 1 Medida de duração dos seres sujeitos à mudança da sua substância ou a mudanças acidentais e sucessivas da sua natureza, apreciáveis pelos sentidos orgânicos. 2 Uma época, um lapso de tempo futuro ou passado. 3 A idade, a antiguidade, um longo lapso de anos. 4 A existência humana considerada no curso dos anos. 5 Época determinada em que ocorreu um fato ou existiu uma personagem (com referência a uma hora, a um dia, a um mês ou a qualquer outro período).

O tempo é tempo. O tempo é vago, é ligeiro e até mesmo meteórico. As vezes demorado e preguiçoso, porém flexível. Em suas vicissitudes, as plenas mudanças nos causam dor ou felicidade. É um paralelo contínuo que andam juntos, mesmo que seja efêmero.
Dizem que o tempo é sábio. Sábio por abrir caminhos, por desatar nós criados pela vida, ou por nós mesmos, por nos dar lembranças e saudosismos. Em sua totalidade, por ser capaz de assoprar o mágico vento rápido que nos dá a sensação de vida passageira. É possível criar a ideia de que, em um piscar de olhos, ele seja responsável pelo acontecimento de detalhes... que... inexplicavelmente... apenas... acontecem. As reticências são poucas para o tanto de peripécias que o tempo pode trazer.
Sinceramente, eu não sei se concordo com o provérbio de que o tempo cura e cura tudo. Posso dizer que ele é um relógio sem hora para acabar, ou até mesmo, uma bomba relógio que pode explodir a qualquer momento e causar um sentimento vulcânico, abrasador, avassalador... enfim, intenso. O tempo passa, mas pode ter o poder de levar consigo o punho destrutivo. A sede de querê-lo é grande, mas ei quem diga que ele é angustiante. Enquanto escrevo estas pequenas linhas neste papel timbrado, outras mil linhas já foram escritas com o meu tempo sobrecarregado por apenas um desejo: encontrar o poder do tempo e sua real conjuntura. Ainda não encontrei, então considero que a tese de que o tempo cura está equivocado. 
No momento que eu penso, todas as folhas timbradas já se tornaram amareladas, manchadas, amassadas. Estão envelhecidas. Talvez o que eu pensei um segundo atrás já não faça mais sentido nos meus próximos segundos, minutos, horas, anos de vida. No máximo as guardarei em uma gaveta para que fiquem por mais um longo período ocultas. E eu me pergunto: durante este tempo, algo mudou? O sentimento continua pleno e quiçá o mesmo. Novamente, o tempo de que dele é o curador está errado. Nós mudamos, tudo muda. É como se a palavra mudança fosse um complemento para tempo. Uma graduação em que o tempo seria seu certificado.
Eu posso até ter e sentir uma rápida cicatrização dos machucados de minha tez sensível e imatura. Mas, as interiores são totalmente opostas, incompatíveis. E, talvez, é neste nó em que se cruzam. Acho que finalmente encontrei o significado do tempo. Ele é subjetivo. Ele é tudo o que uma palavra com "sub" pode haver de significado. Ele é substancial. Ou melhor, ele é apenas um sub-de-qualquer-coisa. É como se deixássemos levar pelo significado de quando alguém está muito doente. A primeira coisa que alguém faz quando se está enfermo é buscar o primeiro remédio que faça aliviar a dor. Porém não tem resultado. Só confunde. Engana por umas horas, depois reaparece. Digamos que o tempo se encaixa neste ciclo.
Não temos como correr ou fugir, apenas nos deixar levar. É inevitável, a vida é assim... inevitável. Fomos colocados em um lugar em que todos estão perdidos, entretanto, todos procuram o mesmo ideal: o tempo. Isso é um traço comum entre nós, a procura do perdido e a resolução imediata dele. Olhemos para o relógio: todos querem saber a hora, todos querem saber quando... e quando... e quando. Todos querem o tempo. Ao invés de corrermos dele, corremos para ele. No acaso, é possível  que ele consiga responder todos os nossos questionamentos por ora.
Enquanto isso estarei sentada lendo um livro esperando por ele, pelo tempo... Que poderei -ou não- ter perdido.