quinta-feira, 8 de setembro de 2016

ópio

uma vez eu tive uma viagem de ópio
mais ou menos assim, em que eu...
rasgo as folhas de papel
que escrevi pra ti
deito no chão gelado do banheiro
fecho os olhos
e vejo a minha vida passar
como um vídeo de três minutos
daqueles bem mal produzidos
com efeitos do Moviemaker
aqueles processos gradativos
de uma imagem
que vão desaparecendo
e aparecendo
rápido...
como um foguete
e eu vejo a minha vida inteira
neste pequeno descanso insensato
que não é bem um descanso
é apenas um momento de profunda
inconstância e desespero
como se eu tivesse lendo livros de Malatesta
em que me debruço no imaginário
e perduro no revolucionário constante

lembro-me de todas as folhas de papel
rascunhos
notas perdidas feitas pra ti
de todo o sentimento que me entreguei nelas
a minha vontade alem de rasgá-las
é de jogar o conhaque mais potente da minha coleção
encharcá-las de álcool
e nessa imensidão poética
encontrar as palavras voando
no incêndio desgastado do fogo
com aquele cheiro de filosofia de bar
feito com todo delírio
ocasionado em um momento orgástico
desconstruído
em que me doei por inteira

tu, que sempre fosses
o ser mais poético
tu, que sempre mostrasses
o meu lado inabitual 
tu, que as vezes me mostras
o caminho mais fácil
mas de vez em quando o caminho
mais longo e complexo
registrado em todas as cartas
e notas
em que as anotações são frágeis
parecem se esfarelar com 
facilidade
eu, que sempre tento
me deter de males e desgastes
lembro-me que do meu interior
existe o crescimento de um espinho
programado para espetar
quando não houver mais
sentido na vida
quando não houver mais
o que se rebelar

e, eu me rebelo em ti, meu bem
não queria rasgar as folhas de papel
não queria ter dito aquelas coisas
eu apenas queria ser aquele efeito
"fade in" que desaparece e some
no momento certo
programado e configurado
tu não entendes?
tu não observas o que acontece aqui?
estou deitada no chão do banheiro
sentindo o frio gelado nas minhas costas
e gostando da sensação
como se meu corpo entrasse em colapso
do quente e da intensidade do meu ser
com a realidade da frieza e frigidez
das quais eu deveria conhecer

se tu soubesses, meu bem
que nesse pequeno tempo
em que estou aqui deitada
nesse pequeno vídeo mental que
encarei de mim mesma
tu aparecesses nele todo
mas eu queria te alcançar
pra que tu soubesses todo o medo
que eu sinto aqui debaixo
quando fecho os olhos
quando estou sozinha
ou quando vejo que
estas folhas de papéis
já não me selam a paz

neste meu sentido aguçado
eu me vejo rascunhando
mais uma pra ti...
que com certeza
na minha próxima ida ao banheiro
serão rasgadas
a partir do momento em que
eu
fechar
meus
olhos
e descansar em uma eterna viagem
de ópio.